segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Duplicidade ética e moral e desonestidade intelectual dos comunistas


A propósito do apoio do PCP ao guerrilheirismo terrorista das FARC, estabeleci com Vítor Dias, no seu blog, uma troca de galhardetes, que se desviou para a duplicidade ética e moral e para a desonestidade intelectual dos comunistas. Respigo para aqui, levemente retocada e abreviada, uma parte dessa intervenção. Quem desejar conhecer o teor completo poderá vê-lo lá.


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Para os comunistas, não existe qualquer padrão sólido para julgar seja o que for, porque tudo é relativo. Os nossos são assim, mas os vossos são assado (piores, no entender dos comunistas). O relativismo ético e moral, e a duplicidade de juízos que o acompanha, é apenas a ilustração da desonestidade intelectual dos comunistas. Você, com uma larga escola e muita formação na matéria, não escapa à regra.

As suas subtilezas verbais não iludem o essencial. E o essencial, neste caso, é a ausência, da sua parte, de condenação do terrorismo, seja ele praticado pelo governo colombiano, através do exército ou de grupos para-militares, ou por essa merda de grupo terrorista, sustentado pelo narcotráfico (ou as receitas provêm das quotas dos militantes ou das contribuições voluntárias dos camponeses que vivem na miséria?), que dá pelo nome de FARC, e que só porque de quando em vez ainda desencadeia acções contra o exército regular pode usar a designação de grupo guerrilheiro.

Defender uma solução negociada para uma situação escabrosa não impede que quem a defenda condene o rapto, o sequestro, a violação, o assassinato e o terrorismo como armas políticas. É só necessário que a condenação de tais formas de luta faça parte dos seus valores políticos. Da sua parte, neste post, você não assume posição condenatória. Presumo que mesmo em relação ao terrorismo prevaleça a duplicidade moral: o terrorismo dos bons é desculpável, por compreensível, enquanto o terrorismo dos maus é condenável.

Em relação às FARC a coisa é ainda mais grave. Denota não apenas ambiguidade quanto à condenação do uso do terrorismo, mas também a defesa do guerrilheirismo como instrumento da luta pela conquista do poder. É, digamos, um coquetail explosivo: juntar o terrorismo ao guevarismo mais arcaico, depois de tais experiências terem falhado por todo o lado. Juntamente com o apoio aos populistas latino-americanos, o apoio ao guerrilheirismo vem ilustrar o ecletismo mais desbragado que grassa nas hostes comunistas desde que se partiu a rédea curta com que o PC da União Soviética controlava o chamado movimento comunista internacional. Fruta da época de grande crise ideológica e política e de algum desespero, que prenuncia o fim inexorável aproximando-se a passos largos, e que ocorrerá antes do pico do petróleo e do anunciado Armagedão nuclear ou biológico.

A não ser que a coisa dure um pouco mais e ainda vejamos em Portugal umas FARP desencadeando acções guerrilheiras a partir da Serra da Estrela (ou de uma outra com uma floresta mais condizente com a selva colombiana), porque entretanto falharam as acções de rua das amplas massas para a tomada de assalto do Palácio de S. Bento. De facto, depois da defesa do guerrilheirismo dos outros, falta mesmo é a conversão do PCP à sua prática.

Ora, não é que para um partido que se diz de gente civilizada e democrata, que constantemente exige o respeito pela constituição, mas que não abandonou a defesa da violência para a conquista do poder político (de que o último ensaio foi o putsch falhado do 25 de Novembro), a adopção da luta armada era a cereja no bolo?

Vai por aí um coro denunciando o convite do PCP ao PCC para participar na Festa do Avante. Não enfileiro nesse coro. O PCP tem o direito de convidar quem entender. E arcará com as conotações que os outros fizerem desses convites.

Com o tempo, o partido da hipocrisia institucionalizada — constitucionalista, mas revolucionário; democrata, mas defensor de uma ideologia totalitária; legalista, mas apologista da violência como instrumento para a conquista do poder — acabará reduzido à expressão mais ínfima na sociedade portuguesa. Por enquanto podemos ir congratulando-nos com o ridículo papel desempenhado pelos crentes seus militantes, como são o caso do Miguel Urbano e o seu próprio.

(…)

Você e muitos dos seus camaradas incumbidos da propaganda nos jornais e neste meio novo dos blogs — de que destaco também o pândego e castiço António Vilarigues — gostam de arremessar com o programa do PCP para com ele jurarem a bondade dos objectivos da sonhada sociedade comunista e dos democráticos métodos que o PCP defenderia para a conquista do poder. O programa não passa de letra impressa para enganar papalvos (e a afirmação não constitui qualquer deturpação da realidade), porque “as reais orientações programáticas” do PCP estão espelhadas na sua prática quotidiana. A candura do programa e a real prática quotidiana do PCP, aliás, ilustram de sobejo a duplicidade moral e a desonestidade intelectual dos comunistas.

Depois do descalabro do comunismo, o PCP passou a ter mais cuidado com o programa, sendo mais cauteloso nas expressões, dilatando no tempo a concretização do comunismo, aceitando algum papel para o mercado e para a propriedade privada (restrita à propriedade individual fruto do trabalho pessoal), julgando que com ele consegue demonstrar o seu apego à democracia parlamentar e assim calar os adversários que o designam como partido defensor duma ideologia totalitária. Esse cuidado táctico é traído quotidianamente pelas posições assumidas internamente, pelos apoios concedidos externamente e pela apologia da revolução e da luta armada como meio para a conquista do poder. O apoio às FARC, ao terrorismo e ao guerrilheirismo, que defendia implicitamente no seu post original, é apenas um exemplo, entre tantos, da duplicidade dos comunistas.

E não poderia ser doutro modo, afirmando-se permanentemente o PCP como partido comunista, revolucionário e marxista-leninista, que tudo faz para não se descaracterizar. A não ser que você queira fazer crer aos incautos, ao arrepio do que o PCP quotidianamente se esforça a proclamar como sendo suas características intrínsecas, que um partido comunista, revolucionário e marxista-leninista é um partido que aceita o capitalismo, respeita a democracia parlamentar e rejeita a profecia marxista e a cartilha leninista, o que constituiria uma pegada contradição. Para fazer jus à ideologia comunista que afirma defender, o PCP não pode ser considerado um partido democrático. Se os comunistas estão seguros da supremacia da sua ideologia, como propalam, deveriam também assumir com clareza que não aceitam a sociedade capitalista, nem a democracia burguesa — não apenas depois da revolução, mas também antes dela.

Os comunistas, porém, com a sua abjecta duplicidade de carácter, dizem aceitar a democracia burguesa, mas aceitam-na apenas como meio para a preparação das massas para a conquista revolucionária do poder quando soar a corneta anunciando a derradeira crise do capitalismo, que apesar de constantemente prevista tarda em acontecer. Depois, adeus ó democracia burguesa! Não é preciso inventar nada: a experiência do passado ilustrou a prática dos comunistas melhor do que a mais fértil e arrojada das imaginações o poderia ter feito. A fidelidade à ideologia só pode prenunciar a reedição desse macabro passado, por mais que sejam as juras em contrário e por muita que seja a cosmética camufladora. O PCP ainda não mostrou defender outro comunismo diferente do comunismo marxista-leninista. Mesmo que quisesse, seria tarefa impossível: não há semelhante produto!

Para que eu deixe de caracterizar a postura do PCP e dos seus dirigentes e apaniguados com os epítetos da duplicidade de carácter e da desonestidade intelectual, diga-me você como devo designá-la. Se achar adequada, poderei seguir a recomendação. Poupo-lhe o trabalho de sugerir que passe a designar uma tal trapaça por impoluta verticalidade ética e moral.

Tem razão quando me atribui a ideia de que os comunistas, mas não apenas os comunistas portugueses, têm de pagar por todos os crimes ou desgraças praticados em nome dos ideais comunistas (seja quando e onde tenham sido praticados). Sim, acho que têm de pagar. Afirmar o contrário seria negar o que penso; não guardar a memória do comunismo e não combatê-lo seria um péssimo serviço prestado às gerações vindouras. Ao contrário do que os comunistas fazem em relação aos seus adversários, acho que apenas devem pagar politicamente, e através do combate político, sem descer ao absurdo da criminalização das suas ideias, por mais abjectas que sejam. Não têm de pagar como pessoas, nem eternamente; apenas enquanto comunistas. Parece-lhe demasiado severo? Tal só poderá dever-se a qualquer dissonância cognitiva da sua parte. Não reconhecendo a importância do crime, não aceita a dimensão da pena.

Os comunistas — aqueles que o afirmem ser no presente, sejam ou não militantes dum partido comunista, do PCP ou de outro — ou os ex-comunistas que continuem orgulhosos do seu passado de comunistas só podem arcar com o ónus político de defenderem uma ideologia totalitária e anti-democrática, em nome da qual foram praticadas as maiores barbaridades e os mais horrendos crimes sobre os adversários políticos e sobre populações sem qualquer culpa. E isto apesar das auto-críticas que possam ter feito assacando tais crimes e barbaridades a erros ou a desvios em relação a uma suposta humanidade da ideologia que defendem. Mesmo que a ideologia não se baseasse na legitimidade do uso da violência para com os adversários, nem na concepção totalitária da organização social, só a prática de tais barbaridades pela generalidade dos regimes comunistas, apenas com cambiantes de dimensão e de requintes de malvadez, já era suficiente para responsabilizar os comunistas.

Mas a coisa é mais grave, porque esses males residem na própria ideologia, não se devem a idiossincrasias de dirigentes perturbados, nem a características intrínsecas das culturas locais. A ideologia comunista baseia-se na aplicação dos mais bárbaros instintos, na justiça primária e arbitrária, no desprezo pela liberdade, na despersonalização dos seres, porque se proclama detentora da verdade revelada, à qual os ímpios deverão submeter-se, sob pena de arcarem com as consequências mais dramáticas. A maior perversidade é que essa ideologia se afirma portadora de humanidade, ao ponto de pretender produzir um homem novo. O comunismo é coisa de loucos ou de fanáticos perturbados? Só pode! São invencionices? Os relatos estão publicados e a História não poderia inventar uma tamanha mentira. Devido à dimensão da tragédia do que foram setenta anos de comunismo, não admira que os comunistas se esforcem tanto a negar uma realidade tão escabrosa. Felizmente, os comunistas não vão poder reescrever a História.

Você engana-se redondamente quando me atribui a ideia de que apenas os comunistas deverão pagar pelas culpas da ideologia que defendem. Não apenas os comunistas, não. Também os defensores dessas outras abjecções totalitárias que são o fascismo e o nazismo devem pagar politicamente pelas atrocidades e pelas barbaridades cometidas em nome de tais ideologias. Ao contrário do que acontece com os comunistas, os fascistas e os nazistas têm as suas ideias criminalizadas, o que é inaceitável. Em meu entender, as sociedades democráticas não devem criminalizar as ideias dos seus inimigos. Os comunistas, ao contrário, defendendo a criminalização das ideias fascistas e nazistas, mostram o que são, e, neste caso, não querem que competidores de cariz semelhante ao seu gozem do direito de defenderem as suas ideologias.

A democracia burguesa, apesar das suas limitações e perversões, é um bem frágil que não se reproduz com os homens e que precisa de ser constantemente defendida dos seus inimigos. Não pode, por essas suas frágeis características, deixar de lhes mover combate, ainda que usando em sua defesa armas incomparavelmente mais humanistas: não os elimina, não exige a sua conversão a qualquer verdade revelada, apenas lhes exige o cumprimento das regras da disputa eleitoral e o respeito pela preferência manifestada pelos cidadãos eleitores em plena liberdade. Não se esqueça duma coisa simples e banal, Dias: é a democracia burguesa que lhe permite defender em plena liberdade a sua ideologia totalitária, coisa que os comunistas, em lado algum, permitiram ou permitem aos seus adversários. E não me venha com a história de que os comunistas portugueses são diferentes; os comunistas portugueses, apesar de social e politicamente minoritários, deram durante o PREC uma amostra tímida do que haveria a esperar deles. Falo por experiência vivida, não por histórias em segunda mão.

Por fim, um esclarecimento a mais uma sua ilação infundada. Não confundo a forma como você defende as suas ideias, e algumas das suas ideias, com as ideias do seu camarada e amigo Miguel Urbano nem com a forma como ele defende as dele. Este é muito mais terra a terra do que você, e diz sem pejo o que você, habituado às manhas da propaganda, cala e esconde. Acho até bastante salutar esses diferentes matizes. Oxalá, entre os comunistas, no seio da sua própria igreja, existisse a possibilidade de pensar e de exprimir livremente as ideias individuais. Mas isso, numa igreja que defende a ortodoxia e que permanentemente se glorifica como instituição de iluminados, detentora em exclusivo da capacidade de fazer a apreciação correcta da conjuntura e de produzir a linha justa, é coisa impossível fora das balizas da linha política estabelecida. Se os comunistas nem no seu partido permitem a liberdade individual, como poderiam eles defender esse valor para a sociedade?

Na sua última resposta, Vítor Dias interrogava-se acerca da atribuição aos comunistas das culpas pelo passado do comunismo. Respondo-lhe agora.

O comunismo não é apenas uma forma totalitária de organização social. É uma ideologia expansionista, que almeja espalhar-se por todo o Mundo. Organizou-se como federação de partidos internacionalistas, a Internacional Comunista (depois, o Cominform), sob a direcção do partido-guia da União Soviética, que elaborava a linha política a que todos deviam obediência, que vigiava e decidia quem a poderia integrar ou deveria ser excluído, quem recebia ou não recebia os financiamentos, a fim de concertar a acção política a nível mundial. Mesmo hoje, depois do descalabro, procura a reorganização internacional. O comunismo e os partidos comunistas não são comparáveis a qualquer outra ideologia nem a outros partidos. Sequer ao fascismo e aos partidos fascistas. Só mentes deformadas e perversas, na plenitude do cinismo, poderão querer compará-los à ideologia e aos partidos burgueses.

Os ex-comunistas, tenham sido de orientação maoista ou de orientação soviética, deixaram de ser comunistas. Independentemente das razões que os levaram a abraçar o comunismo, abjuraram-no. E fizeram-no, precisamente, pela tomada de consciência da perversidade e da malvadez da ideologia comunista e da amplitude e da barbaridade dos crimes cometidos em nome dela. Reconheceram os erros do passado, denunciaram o apoio que em tempos concederam aos regimes comunistas e não se orgulham desse passado. Não há qualquer razão para continuar a atribuir-lhes culpas que já expiaram auto-criticando-se e renegando o comunismo.

O caso é diferente em relação aos comunistas, estejam no activo ou retirados, militem nos partidos comunistas ou permaneçam como simples companheiros de jornada (para não falar do caso, mais hipócrita, de ditos ex-comunistas que continuam orgulhando-se do seu passado). Eles não têm culpa pessoal pelos crimes, porque não os cometeram. Se assim não fosse, deveriam ser criminalizados. Ao adoptarem uma ideologia em nome da qual foram cometidos crimes e barbaridades, e ao lutarem por ela, assumem-se como herdeiros de tais crimes e barbaridades e como candidatos a perpetradores ou a apoiantes de crimes similares. Não podem deixar de ser responsabilizados politicamente pela herança e combatidos pelo que pretendem reeditar. Por razões semelhantes são responsabilizados politicamente os fascistas e os nazistas. Mas, com a sua habitual duplicidade ética e moral e a sua conhecida desonestidade intelectual, os comunistas acham-se acima dos restantes não democratas.

Remato com mais uma constatação feita por experiência própria. Muitos comunistas portugueses têm um longo património individual e colectivo de luta pela revolução comunista. Por essa sua militância foram perseguidos e condenados. Esse património ninguém lhes negará. Mas é demasiada desfaçatez afirmar que os comunistas “têm um património individual e colectivo de vinculação à causa da liberdade que não teme comparações”. Para os comunistas, a liberdade sempre foi um mero instrumento, um meio para melhor desenvolverem as suas actividades revolucionárias, não um fim em si, nunca a liberdade dos outros. A causa da liberdade não é apanágio dos comunistas. Não podem afirmar que andavam a lutar pela causa da liberdade quando lutavam pela revolução comunista. O comunismo é a negação da liberdade, não é a luta pela liberdade.

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