quarta-feira, 17 de outubro de 2007

As erradas concepções marxistas, agora em jeito mais coloquial


Um leitor interessado levantou um conjunto de dúvidas e de divergências acerca das ideias defendidas nalguns dos textos publicados. Ligeiramente corrigidas, aqui ficam as respostas que então lhe dei.


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1-Muitos conceitos do Marx são aceitáveis como reconstituição de elementos significativos da realidade social. A constatação de que existem relações sociais estabelecidas naquilo que é básico para a existência — a produção das condições materiais dessa existência — e designar essa parte da realidade por estrutura, e que existem outras relações sociais estabelecidas ao nível das representações que se fazem dessa parte da realidade, que são materializadas em instituições cuja função é assegurar a regulação e a reprodução daquelas relações, e designar esta outra parte da realidade social por superstrutura, parece-me uma feliz conceptualização do Marx. Não vejo razão, por enquanto, para abandonar esses conceitos. A reconstituição conceptual da realidade social foi um dos grandes avanços do pensamento; e o facto do Marx a ter feito nos meados do século XIX é um seu mérito inestimável.

A obra do Marx é constituída por um projecto político, por uma narrativa da realidade social do seu tempo e por uma crítica da economia política. O essencial do pensamento teórico marxista é a concepção da realidade social ao nível da economia política e um esboço de teoria sobre a revolução social. Para criticar essas concepções deve-se verificar a validade da argumentação e, depois, a verdade das conclusões. No que se refere à crítica marxista das questões fundamentais da economia política, mesmo usando os conceitos marxistas, constata-se existir incoerência argumentativa, o que lhe retira validade, e falsidade das conclusões, porque uma ou mais das premissas aceites como verdadeiras não se mostram plausíveis. Mas não basta afirmar que esta ou aquela concepção marxista é errada; é necessário demonstrá-lo, adoptando, para esse efeito, o próprio corpo conceptual do Marx. Depois de demonstrada a falsidade das concepções, então, será necessário produzir outras, recorrendo à elaboração de outras relações entre os conceitos do próprio Marx que se mostrem aceitáveis ou à criação de novos conceitos e respectivas relações se os disponíveis se mostraram inadequados.

Estou convicto de que o Marx gostaria de ter encontrado no seu tempo críticos à altura. Como poderoso polemista, seria um desafio à sua grande capacidade de observação e de argumentação. Infelizmente, as coisas não ocorreram assim. Em vez de críticos, o Marx encontrou adeptos, pessoas para quem as suas concepções confirmavam o que desejavam ver confirmado. Muitos desses adeptos eram jovens intelectuais para quem a compreensão do pensamento marxista constituía um desafio. Sem excepção, não chegaram a compreender a fecundidade conceptual do Marx e não passaram de apologetas. Esse mesmo fenómeno constata-se ainda hoje. A generalidade dos marxistas modernos não compreende as concepções do Marx. Aceita-as e recita-as, repetindo os mesmos erros e falsidades. E a forma laudatória como o faz é elucidativa da sua incompreensão. Não compreendendo a obra do seu mestre, os marxistas não poderiam questionar as suas principais concepções, apesar dos absurdos que nelas se podem detectar; muito menos poderiam produzir qualquer inovação. Por esta razão, o marxismo não conheceu qualquer evolução para além da obra do próprio Marx.

Mesmo sendo um crítico severo das concepções do Marx acerca da transformação da realidade social, do valor de troca das mercadorias e da génese do lucro e da exploração que o possibilita, não posso esconder que mantenho uma grande admiração pela sua obra. Submeter as concepções teóricas do Marx ao crivo da crítica não tem em vista apenas demonstrar os erros que conduziram à invalidade da sua argumentação e à falsidade das suas conclusões; a partir da sua refutação, é possível formular novas concepções, muito mais plausíveis, para os fenómenos que ele abordou, que continuam constituindo os aspectos fundamentais da economia política e da transformação social. Não fossem as repercussões negativas resultantes da prática do seu projecto político, baseado numa profecia messiânica classista destituída de qualquer fundamento, a componente científica da obra do Marx poderia ter sido objecto de estudo crítico aturado, cujos resultados certamente nos ajudariam a compreender melhor a realidade social. Tal não aconteceu e continuaram o repúdio e a apologia tradicionais, estéreis. De qualquer modo, em meu entender, apesar dos erros argumentativos e das conclusões falsas, ela ficou constituindo um marco pioneiro do maior relevo no panorama do pensamento sobre a realidade social. Os erros em nada diminuem o mérito do Marx, porque ninguém, por maior que seja o talento, pode escapar ao contexto científico do seu tempo, principalmente num campo extremamente ingrato, que faz recurso ao pensamento especulativo, e no qual ele se destacou pelas sínteses originais que intentou. Depois da crítica, por enquanto apenas esboçada, restará do pensamento do Marx a riqueza conceptual. Sobre a concepção da revolução social, que o Marx apenas esboçou, nada restará.

2-Os modelos são objectos conceptuais com os quais se pretende reconstituir um objecto muito complexo chamado realidade, mesmo que restrito ou circunscrito a uma sua parte ou a uma qualquer ocorrência. Quando se pretende reconstituir a realidade social, um objecto instável e do qual os observadores são parte integrante, então, as dificuldades da modelação resultam muito acrescidas. Como objectos conceptuais, os modelos utilizam conceitos, eles próprios objectos do pensamento, elaborados como elementos reconstituídos de partes ou de aspectos relevantes do objecto de estudo; e tentam explicar as relações entre os conceitos de forma coerente e de modo que a totalidade dos elementos dispersos, que parecem relacionar-se de forma caótica, sob que se apresenta a realidade empírica, adquira um sentido consistente, porque válido e plausível.

Todas as teorias, enquanto instrumentos dos modelos explicativos da causalidade ou do desenrolar de um fenómeno, sofrem das limitações inerentes à modelação da realidade. Mas para nos aventurarmos na produção de conhecimento não podemos proceder de outra forma se não por tentativas de elaborar modelos cuja verosimilhança com a realidade que pretendem reconstituir seja cada vez maior. A ciência busca a verdade, o conhecimento sobre um objecto coincidente com o que ele é de facto. Felizmente, produz somente conhecimento credível, sob a forma de hipotéticas verdades, crenças plausíveis e justificadas. Por parcial e incerto, o conhecimento científico é apenas útil, e por essa característica é sufragado, pelas formas mais diversas de escrutínio, sendo muitas vezes aceite por prazos muito curtos, porque sujeito à crítica e à refutação. Que poderemos fazer para desvendar a forma misteriosa com que a realidade se nos apresenta se não irmos procedendo como modernos aprendizes de feiticeiro armados da razão? Mas quem a tal se aventura são seres humanos com alguma dose de loucura, temos de reconhecê-lo, que têm a audácia de enveredarem por terrenos difíceis e a ousadia de se intrometerem num campo durante tanto tempo reservado aos deuses.

3-Em relação à transformação social, nomeadamente em relação à sua componente política e ideológica. A violência é uma constante da História, de facto. Não há como iludir. A violência, com a sua força destruidora, elimina pessoas, desfaz coisas e objectos. E os homens que a praticam estão imbuídos de fortes interesses ou de representações que lhes proporcionam grande motivação, por vezes incutida pelo pensamento mágico (como são as representações religiosas). O direito ao auto-governo e à soberania sobre o próprio território, à auto-determinação, é um dos interesses susceptíveis de incutirem grande motivação para o voluntarismo. As revoluções políticas e as lutas pela libertação nacional do jugo colonial ou da ocupação estrangeira são desde sempre uma causa fortemente motivadora das comunidades humanas. Nas guerras em que essas lutas se podem transformar, como em todas as guerras, desaparece o verniz dos valores éticos e morais com que constantemente pretendemos dar consistência à convivência.

O voluntarismo, porém, não muda as formas como organizamos o trabalho e repartimos o produto, as relações estabelecidas na produção. Cada geração, à medida que entra na produção, de forma descoordenada, encontra já dadas as condições em que se integra e as relações que as determinam. O voluntarismo político, por maior que seja, não tem capacidade para mudar as relações que de forma inconsciente foram sendo estabelecidas ao longo do tempo. A não ser pelo recurso à coerção violenta. Pode importar formas económicas que já provaram ser mais eficazes e eficientes, e aos poucos, através dos superiores resultados que obtém, ir transformando essas relações; isso, ainda vá. Mas se pretende implantar formas cuja superioridade é apenas imaginada, desejada, e sem qualquer suporte comprovativo na realidade, o malogro é o desfecho mais natural de tamanha pretensão.

4-As experiências revolucionárias comunistas não descambaram no seu contrário. Nada se transforma no seu contrário. O que designamos por contrário de algo ou já existe na realidade, nascendo nela por efeitos de relações por vezes secundárias que se foram desenvolvendo, ou então não se manifestará como tal. Do mesmo modo, a teoria da contradição entre coisas ou entre coisas e pessoas, ela, sim, é uma contradição pegada, uma completa cegada. É em grande parte por fazer recurso da dialéctica hegeliana, ainda que transformada e invertida, que o marxismo não ultrapassou a fase do erro lógico grosseiro.

Não é só agora que o marxismo está errado. Sempre esteve. Os resultados da experimentação prática do projecto político marxista apenas confirmaram que a suposta supremacia do comunismo não passava disso. A prática acabou por comprovar a falácia da proclamação panfletária, do projecto político messiânico. Como os comunistas, enquanto os regimes duraram, quiseram apresentar a sua existência como confirmação da validade teórica do marxismo, a partir da sua falência poder-se-ia deduzir que a teoria também estivesse errada. Mas a existência ou a falência dos regimes políticos comunistas nada tem a ver com as concepções teóricas do Marx; a sua referência é a profecia messiânica classista contida na proclamação panfletária Manifesto do Partido Comunista, de 1848, e os acrescentos que os apóstolos mais destacados foram produzindo para a conformar com a realidade. Deste modo, apenas a crítica teórica daquelas concepções conseguirá demonstrar a sua falsidade.

Quem tivesse maturidade e formação política na altura da revolução comunista na Rússia e conhecesse o que se foi passando teria tido possibilidade de se aperceber de que o comunismo não teria grande futuro. Lenine foi um dos primeiros a vê-lo. Sempre à espera da revolução proletária na Alemanha ou noutros países desenvolvidos, e a magana a fazer negas. Que restava então ao partido bolchevique, depois da guerra civil tão devastadora que se seguiu ao putsch de Novembro? Depor as armas e entregar o ouro ao bandido? Continuar com a política de recurso que foi a NEP e permitir o desenvolvimento do capitalismo individual concorrencial? Não aguentaria muito tempo no poder, e aos comunistas esperá-los-ia o mesmo que haviam feito aos adversários: o julgamento sumário e o fuzilamento, ou coisa pior. A opção pela colectivização forçada, recorrendo aos métodos mais bárbaros para vencer a oposição e a reacção do campesinato — que não aceitava a viragem dos comunistas e resistia às requisições de colheitas e de meios de produção e ao confisco das terras (algumas de que tinham sido servos durante gerações e que os bolcheviques lhes haviam concedido a propriedade plena tão pouco tempo antes, como recompensa pelo seu envolvimento e apoio na revolução) — e para impor-lhe a integração em cooperativas e em herdades do Estado, e pela instalação da indústria pesada, com a planificação centralizada da economia, enfim, pelo capitalismo de Estado monopolista, foi o curso possível daquela história.

E aquela história, que não teria sido possível sem o estalinismo, mais do que por qualquer outra razão aconteceu pelo medo de muitos, pelo entusiasmo que a propaganda conseguiu incutir na juventude (a quem os novos valores permitiam escapar do domínio patriarcal e adquirir a liberdade do cosmopolitismo e a igualdade, apenas eventualmente sonhadas) e pelo fervor nacionalista que conseguiu despertar em muitos outros por estar construindo um país moderno em contraposição à sociedade atrasada e arcaica do velho Império, tudo com o controlo duma feroz ditadura que reprimia barbaramente para exemplo. A realidade é muito menos idílica do que a pinta a propaganda, e é muito menos linear e menos simplória do que a sua reconstituição histórica pode fazer supor, e foram estes ingredientes, e não os de qualquer receita marxista ou leninista, que permitiram edificar o comunismo. A própria ideologia legitimadora, o marxismo-leninismo, que em boa verdade deveria ser designada por leninismo-estalinismo, foi construída e difundida posteriormente como catecismo, como forma de cimentar e dar coesão à nova sociedade em construção. O apoio internacionalista veiculado pelos partidos comunistas, que entretanto se tinham ido formando, procurando imitar a revolução russa e, depois de esmagadas as insurreições que alguns desencadearam, subordinando a sua acção à defesa do Estado soviético, constituiria outro importante meio propagandístico para a mitificação do comunismo. Pela primeira vez, os trabalhadores assalariados (ou os antigos camponeses que o comunismo transformava rapidamente em operários, em técnicos, em engenheiros, em professores, em médicos) tomavam conta do poder e passavam a ter o destino nas suas mãos. O sonho tornava-se realidade. Havia lá coisa mais bela?

O surgimento do fascismo e do nazismo — em parte como reacção ao bolchevismo, mas também como soluções de recurso das burguesias nacionais em países empobrecidos pela guerra e com grande agitação social provocada por milhões de desmobilizados desempregados — face à fragilidade das democracias parlamentares e às suas dificuldades para controlarem a desordem social; a grande depressão de 1929 e a crise de subprodução que se lhe seguiu por alguns anos, agravando as condições de existência de muitos milhões de trabalhadores por todo o Mundo e baixando o nível de vida mesmo nos países desenvolvidos da época; as possibilidades de negócio que a banca internacional e muitas empresas capitalistas industriais encontraram na Rússia, como financiadora e fornecedoras de toda a sorte de equipamentos industriais e agrícolas, recebendo os pagamentos em ouro ou noutros metais preciosos, em trigo, em petróleo, em moedas fortes, etc.; o rearmamento da Alemanha nazi, de que a Rússia também beneficiou, através de acordos bilaterais secretos; a grande guerra patriótica que se lhe seguiu, e a ascensão da Rússia (já sob a forma de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em que a revolução socialista transformara o Império czarista) à condição de grande potência no concerto das nações vencedoras, como prémio pelo seu contributo decisivo para a reviravolta do curso da guerra de agressão e pelo elevado preço pago em vidas e em destruição do seu território; a tomada do poder pelos partidos comunistas nos países ocupados pelo Exército Vermelho, reconstituindo e ampliando o tampão defensivo do Império (a cortina de ferro, como o baptizou o Churchill); e a guerra-fria de manutenção do status quo, permitindo a recuperação da destruição da segunda guerra mundial, possibilitaram dar a ilusão de que o desenvolvimento sem limite das forças produtivas sociais era possível sob o comunismo.

A política de coexistência pacífica e de concorrência entre as duas formas do capitalismo — o capitalismo de Estado monopolista sob regimes ditatoriais, designado correntemente por comunismo, e o capitalismo individual concorrencial sob regimes democráticos, esse, designado por capitalismo — acabaria por comprovar a incapacidade do comunismo para concorrer com o capitalismo. O comunismo, por assim dizer, nasceu como produto da guerra e morreu como produto da paz. Embora tenha chegado a ocupar uma parte substancial do globo, com um mercado interno de muitos milhões de consumidores, o comunismo nunca pôde alcançar o nível de desenvolvimento do capitalismo, ainda que por alguns períodos tenha crescido a ritmos mais elevados que lhe permitiram recuperar parte do atraso; muito menos poderia ultrapassá-lo. A sua função, através duma férrea ditadura, foi trazer sociedades atrasadas para a plenitude da modernidade capitalista. As previsões do Khrushchov vangloriando-se de que numa década a URSS ultrapassaria o nível de desenvolvimento dos EUA, feitas perante um Nixon algo envergonhado, aquando da sua visita a Moscovo como vice-presidente do Eisenhower, em Julho de 1959, acabariam por não passar de fanfarronices, coisa em que os comunistas eram pródigos, julgando-se detentores do conhecimento certo e considerando-se os anunciados novos senhores do Mundo. O comunismo não dispunha em quantidade suficiente dos dois ingredientes indispensáveis para promover o desenvolvimento das forças produtivas sociais: capitais vultuosos e liberdade de iniciativa. Além de que a planificação centralizada nunca poderia desempenhar o papel dessa instituição milenar, pré-capitalista até perder de vista, que é o mercado.

Ainda hoje, os comunistas diabolizam o mercado, sem terem enxergado que ele constitui um dos maiores e mais duradouros progressos da humanidade. Não conseguiram compreender que o caos mercantil não é mais do que a forma social de adaptação à forma caótica como se organizam os muitos milhões de produtores e de consumidores, fruto do seu livre arbítrio como seres autónomos que se pretendem governar a si próprios, e que é ele que permite satisfazer da forma mais eficaz aquela dupla condição da existência dos seres humanos. Por isso, só podem diabolizar as crises de sobreprodução que periodicamente ocorrem. Não lhes dá para ver que apesar das crises o progresso é uma constante; que apesar das iniquidades da exploração dos trabalhadores assalariados e da troca desigual entre países o capitalismo é o modo de produção mais progressivo e próspero que a humanidade já conheceu, aquele que tem proporcionado o melhor nível de vida à maior quantidade de seres humanos como nenhum outro. Confundem deliberadamente as decisões políticas e as lutas de interesses entre Estados, reflexo das lutas de classes ao nível da superstrutura entre classes dirigentes de formações sociais distintas, com a relação de produção salarial existente na estrutura social, a mesma relação de produção que eles próprios tiveram de implantar porque não existia outra mais moderna. Aos olhos dos comunistas, contudo, que pode ser esta realidade imperfeita, que teima em não se conformar com os desejos de humanitários benfeitores com que eles se apresentam, se não obra do diabo? O seu discurso é por isso do mesmo tipo do dos fanáticos das religiões sagradas.

5-A distinção entre trabalho e força de trabalho e a identificação desta como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, com as propriedades que lhe atribuiu, foi talvez a grande e única originalidade do Marx em relação aos economistas clássicos. Em meu entender é uma concepção errada. A originalidade do Marx acabou constituindo um clamoroso erro. A força de trabalho não reúne as características das mercadorias: produtos produzidos para troca, para serem fornecidos para o consumo de outros. Um destes dias, gracejando com dois dos meus filhos dizia, para ilustrar o erro do Marx, que depois do almoço estaria em condições de lhes fornecer umas seis horas de força de trabalho; bastaria dizerem-me como desejavam recebê-la. Risada geral. Como facilmente se vê, o erro é clamoroso. A força de trabalho, a capacidade para produzir trabalho, não é produto que se possa fornecer a terceiros. Existe com o trabalhador, é a sua capacidade de existir como produtor. O que ele pode fazer com essa sua capacidade é produzir um produto, o trabalho. Este produto poderá vendê-lo e fornecê-lo ao comprador (desde que o comprador esteja interessado na utilidade concreta do trabalho que um trabalhador concreto for capaz de produzir). O trabalho pode ser fornecido para consumo na transformação de coisas ou de objectos do comprador (porque é essa a função do trabalho e a utilidade que o comprador espera obter dele quando o compra); a força de trabalho, a mera capacidade para produzir trabalho, a energia humana, essa não pode ser fornecida, faz parte do próprio ser que é o trabalhador, não se pode desprender dele e é por si consumida, ao contrário do trabalho que produz com ela.

O Marx estava condicionado pela chamada lei geral da troca das mercadorias: a famosa troca equitativa. A partir daí, sem questionar a plausibilidade desta premissa, só lhe restava, para poder justificar a génese do lucro e ultrapassar a invalidade da argumentação do Ricardo, encontrar uma mercadoria especial que tivesse a faculdade de fornecer mais do que continha, no caso, mais valor do que aquele que continha. Ora, nada fornece mais do que contém, seja do que for que contenha. É uma simples verdade necessária. Por outro lado, baseado naquela suposta lei geral, a força de trabalho, como qualquer outra mercadoria, só poderia ser vendida pelo seu valor. Nada, porém, permitia comprovar que a força de trabalho fosse vendida pelo seu valor. Aliás, a diferenciação salarial comprovava que não seria vendida pelo seu valor, porque o valor de uma tal mercadoria, sendo produzida pelo corpo humano vivo, não poderia variar tanto. Mas, se a força de trabalho era vendida pelo seu valor, o lucro só poderia constituir um “mais valor”, um valor suplementar produzido pela força de trabalho. Daí, na concepção marxista, o lucro ser tido como mais-valia e ser originado na produção e não na circulação, na troca das mercadorias, e, concretamente, na troca de trabalho vivo por trabalho passado.

Se abstrairmos da condição original de produtos naturais dos objectos e dos instrumentos de trabalho, as mercadorias reprodutíveis são apenas fruto do trabalho humano, que por sua vez é produzido pela força de trabalho ou energia humana. O trabalho, portanto, constitui a mercadoria universal, independentemente da forma sob que se apresente (trabalho vivo ou trabalho passado). Assim sendo, basta comparar a quantidade de trabalho fornecida pelo trabalhador e a quantidade que ele recebe como pagamento através das mercadorias que compra com o salário para ver que o lucro é essa diferença. Marx viu-o, e, aliás, foi assim que o explicou. Só que fornecer uma quantidade de trabalho e receber uma quantidade menor em troca entra no reino da trapaça, violando a sacrossanta troca equitativa. O Marx não foi capaz de romper com semelhante preconceito da ideologia burguesa, que representava a realidade com o que acontecia (ou, melhor, parecia acontecer) entre os burgueses. Persistiu atribuindo o lucro às propriedades mágicas dessa mercadoria especial que identificou como sendo a força de trabalho. Além disso, o trabalho vivo, erradamente identificado como sendo a substância do valor, não entrava na produção da força de trabalho, o que retirava qualquer valor a esta. Enfim, uma trapalhada pegada, em que o efeito da exploração — o valor a menos que o trabalhador recebia por troca da sua força de trabalho — era tomado como sua causa — o valor a mais que a força de trabalho tinha a faculdade mágica de fornecer para além do seu próprio valor. A versão marxista da teoria do valor das mercadorias e a sua concepção da génese do lucro estão pois erradas.

O trabalho não é a substância do valor, mas a mercadoria vendida pelo trabalhador; e a força de trabalho, a energia humana ou capacidade para produzir trabalho, não é a mercadoria vendida, mas a substância do valor. A realidade é o inverso da concepção marxista. A partir daquela substância, comum à mercadoria geral trabalho, é possível atribuir valor ao trabalho, ao seu custo de produção. O trabalho não produz valor; o que produz valor é a força de trabalho, a energia humana. O trabalho tem valor, o valor do custo da sua produção; e transfere esse seu valor para as mercadorias na produção das quais é produzido e consumido. Homogeneizando os diversos tipos concretos de trabalho, reduzindo-os a um trabalho geral e abstracto — no sentido de trabalho dividido reconstituído no trabalhador colectivo e exigindo uma quantidade média de energia para ser produzido — pode-se reduzir a unidade de medida da energia humana a uma unidade prática: o tempo de produção do trabalho. Deste modo, o valor do trabalho é facilmente medível e comparável, e o tempo de produção do trabalho pode, em termos práticos e expeditos, ser tomado para unidade de medida do valor das mercadorias. É o que os capitalistas fazem quando compram o trabalho vivo pelo tempo da sua produção e assim contabilizam o valor que acrescentam no processo de produção das suas mercadorias, procurando reduzir-lhes o valor do custo de produção unitário através do aumento da produtividade do trabalho (isto é, do aumento da quantidade das mercadorias produzidas com a mesma quantidade desse trabalho).

O problema do Marx foi não ter rompido com o princípio falacioso da troca equitativa, que representava a realidade como os burgueses a viam, e ter afirmado, em conformidade com ele, ser o valor de troca a forma de expressão do valor. Ora, o valor de troca, enquanto relação quantitativa entre mercadorias, e o preço, enquanto relação quantitativa entre estas e a mercadoria equivalente geral monetária, é expressão do capital empregado e da taxa de lucro esperada e dos muitos factores que a podem influenciar (a flutuação entre a oferta e a procura, a preferência dos consumidores por marcas e modelos, que a publicidade e o marketing tanto se esforçam por conquistar e por fidelizar, a pertinência — a necessidade e a oportunidade — duma mercadoria concreta para um consumidor concreto, as baixas e rebaixas dos preços para renovação dos stocks empatados, os saldos, as falências, a concorrência ou a capacidade de domínio do mercado, etc., etc., etc.), enquanto o valor do custo de produção é determinado por um único factor: o tempo de trabalho consumido desde a concepção até à venda da mercadoria (não apenas na produção do produto, mas desde a criação até à consumação do produto como mercadoria, o que acontece com o acto da troca, com a venda). O preço de uma mercadoria pode variar em função de alguns dos factores enumerados; o que não varia é o seu valor, o tempo de produção do trabalho que foi consumido na sua produção, desde a criação até à venda.

O valor das mercadorias, a dimensão do custo da sua produção, é o que permite deslindar o que ocorre na troca, independentemente das flutuações dos preços. Doutro modo, sendo os preços aparentemente tão aleatórios, não seria inteligível o que cada um cede em troca do que recebe dos outros. Para desvendar esse mistério, portanto, é necessário identificar a mercadoria universal a que possam ser reduzidas todas as mercadorias, e essa mercadoria é o trabalho humano; depois, é ainda necessário identificar a substância de que essa mercadoria é constituída, para com um padrão baseado nela tornar possível a sua medição, e o tempo de produção do trabalho pode tomar-se como unidade de medida prática e expedita para esse fim. A concepção marxista não identificava uma mercadoria universal, nem definia o conceito de valor das mercadorias, mas apenas a sua unidade de medida (o tempo de trabalho). Além do mais, transformava o trabalho vivo na substância do valor (através de um mecanismo nebuloso de conservar o valor do trabalho passado e de acrescentar valor novo), o que destituía de valor a força de trabalho, visto o trabalho vivo não participar na sua produção. Qualquer comparação era assim tornada impossível, e a génese do lucro só poderia residir na capacidade mágica da força de trabalho para fornecer mais valor do que o que continha. Não admira, portanto, o desinteresse dos ideólogos burgueses pela formulação duma teoria do valor das mercadorias; por um lado, a concepção marxista da origem do lucro transformava-o em coisa produzida naturalmente, o que era uma legitimação plenamente aceitável; por outro lado, criticar os erros dessa concepção faria correr o risco de pôr a nu a troca desigual que está na sua essência, o que era de todo inconveniente.

Em termos gerais, a troca das mercadorias é uma troca desigual. A concorrência nos ramos e a mobilidade dos capitais entre eles, procurando a melhor rentabilidade, é disso ilustrativo. Esses movimentos dos diversos capitais poderiam fazer com que a troca das mercadorias que não o trabalho vivo fosse num qualquer momento uma troca equitativa (embora correntemente nunca o seja, por exemplo, no caso das trocas de mercadorias oriundas de mercados diferentes, no caso de ganhos de produtividade não reflectidos em preços mais baixos enquanto a concorrência não anula esses ganhos, no caso da produção de alguns tipos de mercadorias estar onerada diferentemente por rendas ou por juros que a mobilidade dos capitais não anule, etc.), mas essa hipotética equidade seria meramente transitória, temporária e precária, visto eles serem originados precisamente pela desigualdade. Mesmo num mercado interno, na situação ideal de concorrência perfeita, de produtividade similar no interior de todos os ramos da produção, de adequação plena da oferta à procura e de capitais proporcionalmente onerados por rendas e por juros, o uso expedito da taxa de lucro sobre o capital empregado, e não sobre o capital consumido, cobrando juro sobre o capital fixo imobilizado, procederia à transferência de valor de uns para outros produtores, em função dos ciclos diferenciados de rotação dos diversos capitais, e faria com que num qualquer momento a apropriação não fosse equitativa, ainda que uma tal desigualdade fosse rotativa. Os desvios na apropriação da parte do valor não paga ao trabalhador, ou a diferenciação das taxas de lucro, que ocorrem na realidade em certa escala, porém, mobilizam os capitais e constituem objecto de estudo da economia, mas não chegam a afligir a classe dos detentores dos meios de produção. A troca do trabalho por outras mercadorias, essa, é garantidamente uma troca desigual, e é quanto basta. É nessa troca desigual entre capitalistas e trabalhadores que reside a génese do lucro.

A troca desigual entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados é a essência do modo de produção salarial ou capitalista. Para explicá-la não é necessário recorrer à intervenção de quaisquer artes mágicas ou de mercadorias especiais. Ela é possível porque a venda do trabalho constitui uma necessidade vital para o seu produtor, o trabalhador assalariado, para o qual a troca desigual é a condição da subsistência e o preço da liberdade. A forma social do trabalho assalariado, e a troca desigual em que se baseia, pode parecer um alto preço pago pelos trabalhadores em troca duma pequena parcela de liberdade, em muitos aspectos limitada e ilusória. Comparada com outras formas de cedência de parte do produto, e com a ausência de liberdade que as acompanhava, o preço pago por esta ilusória liberdade parece valer a pena. E a coisa não vai ficar por aqui, porque ainda agora a procissão vai no adro.

Nos meus textos apresento outra teoria do valor das mercadorias, outra concepção da génese do lucro e também outra concepção da revolução social. Porque são elaboradas a partir da crítica das concepções do Marx, não faltará quem as veja como críticas internas do marxismo. É questão de somenos importância. O pensamento errado do Marx foi o que de melhor se produziu. Porquê desperdiçar esse valioso contributo? Mas quem sou eu para ter a desfaçatez de proclamar os erros alheios e avançar novas propostas conceptuais? Apenas um crítico do Marx. Alguns discordam? Então, que venham de lá os argumentos em contrário e a refutação. De preferência, sob a forma de argumentos sólidos, não de desejos ardentes nem de lamúrias pungentes. Fico aguardando.

7 Comentários:

Às 1:13 da tarde, outubro 18, 2007 , Anonymous Anónimo disse...

Boa tarde, Caro JMC

Acabo de desfalcar a entidade patronal em mais de 1 hora de trabalho – ou será força de trabalho ? – desviada para a leitura de mais este seu texto. Brilhante como todos os demais e cujo registo, mais coloquial – como diz – nesta nova edição revista e aumentada, me inibe menos, na minha condição de simples leitor à procura de mais algum saber. Admirando-me mesmo o facto de alguns comentários meus, mais ironicamente provocadores, terem merecido da sua parte o que me parece uma atenção excessiva. Que apesar de imerecida me deixa lisonjeado.

Continuo a ler, a reler e a anotar os dezassete textos seus que printei . O projecto é trabalhoso. Mas prometo que, quando tiver ideias minimamente ordenadas – de acordo, desacordo ou de simples não entendimento – virei aqui dar notícia.

Cumprimentos
nelson

 
Às 12:27 da manhã, outubro 19, 2007 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Agradeço a sua amável referência ao eventual mérito dos textos.

A atenção que tenho dedicado aos seus comentários não tem sido para mim excessiva. É apenas retribuição pelo interesse que tem demonstrado pelos temas abordados.

Como vê, os comentários não abundam (e só têm sido excluídos os manifestamente provocatórios ou caluniosos, deixados por dois ou três escribas encarregados do serviço de vigilância ideológica). Você tem sido o único a colocar dúvidas ou discordâncias sobre temas que não despertam já grande interesse. Debates teóricos sempre foram de grande aridez, pelo que não há muita gente interessada neles.

Pelo que lhe será já possível compreender, o seu patrão está a borrifar-se para a sua força de trabalho; o que você se prestou a fornecer-lhe, e ele lhe comprou, foi trabalho com determinada utilidade. Deve lembrar-se das expressões populares “andar à procura de trabalho”, “dar trabalho”, como sinónimos de procurar vender ou comprar trabalho. Força de trabalho, capacidade para produzir trabalho, ou se tem ou não se tem, não se compra nem vende.

Apesar de afirmar não ser versado em marxismo, parece-me que estará persuadido de que ele constitui a grande ideologia da esquerda política. Esperemos que esta troca de impressões lhe permita compreender o idealismo inerente ao projecto político comunista marxista, assim como a inconsistência argumentativa e a falsidade das conclusões com que o Marx pretendeu criticar os discursos sobre a economia política.

Uma questão levantada numa das suas ironias provocadoras, sobre o que motivaria os ex-comunistas a tornarem-se críticos acérrimos do comunismo, não foi esquecida. Tenho em preparação um texto abordando o assunto, referido à minha experiência pessoal (porque pela dos outros não posso falar); aguarda vagar e disposição para ser concluído.

Cumprimentos.

 
Às 10:33 da manhã, outubro 22, 2007 , Anonymous Anónimo disse...

Bom dia JMC

À medida que vou lendo os seus textos tenho vindo a deparar com algumas questões pontuais que, se não fosse a sua preocupação de rigor me dispensaria eu próprio de as colocar.

Sem prejuízo de uma apreciação global que farei quando me for possível, permita que lhe vá colocando algumas questões avulso à medida que me forem surgindo.

1 - No presente texto pode ler-se, na parte (4): “ ... tal como é também da física a distinção entre trabalho e energia.” Sou da mesma opinião mas, na parte (1) do texto “O Trabalho, o valor e a mais-valia no modo de produção capitalista (I)" de 10/19/2006, diz-se, logo no início do primeiro parágrafo: “O que é o trabalho humano? Em termos simples poderemos dizer que é uma forma de energia ...”. Ora, parece-me haver aqui alguma contradição que gostaria que esclarecesse, já que se trata de uma questão nuclear que tem consequências no desenvolvimento do seu raciocínio.

2 – Na mesma parte (4) deste texto diz-se: “Trabalho e força de trabalho não são a mesma coisa; aquele é um produto desta.” Estou de acordo. Mas, ainda na parte 1 do texto citado no ponto anterior diz-se que: “A distinção entre a capacidade para produzir trabalho – a força de trabalho – e o trabalho não reflecte a realidade empírica”. Continuo a não estar de acordo com esta última asserção e parece-me estar-se aqui também perante mais uma contradição. Peço o favor de esclarecer.

3 – Referindo-me ao texto “Ilusão por ilusão já basta a da religião” de 10/20/2006, confesso não ter percebido rigorosamente nada daquilo a que se refere no último parágrafo, que termina com : “GANDA PACHECO. ARRE QUE É BURRO!”.

Suponho tratar-se de qualquer referência a acontecimento ou “fait divers” ocorrido no país, que contudo os meus catorze ou quinze anos de ausência não me permitiram identificar. Gostaria que explicasse a que se refere de facto.

E por hoje não incomodo mais.

Cumprimentos
nelson

 
Às 7:09 da tarde, outubro 22, 2007 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Nelson Anjos.

Agradeço as questões que levanta no seu comentário. Tentarei esclarecê-lo.

Em termos gerais, a energia é a capacidade para produzir trabalho. Neste sentido, o trabalho é um produto da energia; como tal, é energia sob outra forma, que, por seu lado, também pode ser transformado noutras formas de energia, e assim sucessivamente.

A afirmação de que a “distinção entre a capacidade para produzir trabalho — a força de trabalho — e o trabalho não reflecte a realidade empírica” deve ser lida no contexto em que foi proferida. Marx fez essa distinção para identificar uma outra mercadoria vendida pelo trabalhador que não o trabalho. É essa distinção para identificação de outra mercadoria que não reflecte a realidade empírica, porque uma tal mercadoria não existe. A capacidade humana para produzir trabalho humano existe, de facto; não existe é sob a forma de mercadoria: produto que é fornecido a outrem. Já o trabalho humano reúne as características das mercadorias, pode ser fornecido a outrem.

A distinção feita pelo Marx resultou da necessidade de encontrar uma mercadoria à qual pudesse atribuir a capacidade de fornecer mais valor do que o seu próprio valor, e assim ultrapassar a contradição em que o Ricardo tinha esbarrado. À primeira vista, a argumentação parece válida, mas não resiste à crítica, pelas razões já apontadas nos textos. Como lhe dizia noutro dia, se o seu patrão lhe comprasse a capacidade para produzir trabalho, estava desgraçado. Nem você lha podia fornecer nem ele recebê-la. Se, escudado na presunção de que ele lhe comprou capacidade de produzir trabalho, você não produzir e não lhe entregar trabalho, ele não o quererá no emprego. Serem detentores de capacidade para produzir trabalho é o que faz dos trabalhadores assalariados produtores e vendedores de uma mercadoria: o trabalho.

Para além de não ter definido explicitamente o conceito de valor, de o ter apresentado como expresso pelo valor de troca, o Marx faz outras misturas, voluntária ou involuntariamente, de todo inaceitáveis, por exemplo, concebendo o valor como criação da utilidade (o trabalho vivo, tido como utilidade da força de trabalho, como criador do valor das mercadorias), as quais são também apontadas naquele meu texto mais antigo, embora com uma redacção mais confusa (razão que me levou a suspender a publicação das duas partes restantes, que padecem dos mesmos males, aguardando vagar e disposição para serem todas reformuladas). Enquanto isso, o hipotético valor da força de trabalho apenas poderia ser criado pelo trabalho morto, visto o trabalho vivo não entrar na sua produção, o que contrariava o mecanismo da produção do valor. Enfim, toda a concepção marxista da mais valia é uma completa inversão da realidade.

A referência ao Pacheco Pereira é uma pequena graçola em relação a um apelo ridículo que ele fazia no seu blog aos críticos da guerra de agressão americana contra o Iraque para que pusessem um cartaz ao pescoço com os dizeres “eu sou burro”. Ora, a vida veio a demonstrar que os crédulos nas mentirolas americanas justificadoras daquela guerra de agressão e de ocupação é que se comportaram como autênticos “burros”. De onde, mais uma vez se comprovou que até as pessoas mais inteligentes e competentes na análise política cometem as suas asneirolas. Aquela minha nota foi apenas uma pequena chacota de troco ao pretensiosismo do abalizado analista e comentador político ao qualificar de burros os discordantes.

Disponha sempre.

JMC.

 
Às 6:31 da manhã, outubro 23, 2007 , Anonymous Anónimo disse...

Por agora fiquei esclarecido. Obrigado JMC.

Um bom dia de trabalho.

nelson

 
Às 7:54 da manhã, outubro 29, 2007 , Anonymous Anónimo disse...

Bom dia JMC

Cá estou eu novamente a accionar a tecla do help.

Reporto-me ao texto “O Trabalho, o valor e a mais-valia no modo de produção capitalista (I) de 10/19/2006.

1 – Na parte (4) do texto pode ler-se: “ ... existe uma condição essencial para que o lucro se origine: basta, para tanto, que o trabalho seja comprado abaixo do seu valor, isto é, que o seu valor de troca seja inferior ao valor do seu custo de produção”.

Esta afirmação parece-me ter duas consequências: a primeira e mais evidente é que, afinal, ao contrário do que foi tentado demonstrar-se antes, o lucro se origina na produção e não na troca do produto.

No que respeita a segunda, e exemplificando com um processo cíclico de produção/retribuição salarial mensal, significa dizer que, em cada mês eu recebo como salário um valor inferior ao custo de produção do trabalho que forneci. O que terá como consequência que, com esse salário, no mês seguinte eu poderei produzir apenas uma quantidade de trabalho de valor inferior ao do mês anterior. E assim sucessivamente. Utilizando um modelo da física estaríamos perante uma vibração amortecida, até à sua completa extinção. Se o trabalhador em cada mês recebe um salário inferior ao custo de produção do seu trabalho, isto significa que o trabalho que conseguirá produzir no mês seguinte será necessariamente inferior ao que produziu no mês anterior. E assim sucessivamente até à impossibilidade de poder produzir qualquer trabalho. Por mais elástica que seja a possibilidade de comprimir em cada mês o custo de produção do meu trabalho.

Admito que deve haver aqui algum pormenor que eu não estou a ver com clareza.

Cumprimentos
nelson

 
Às 11:39 da tarde, novembro 01, 2007 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Nelson Anjos.

Agradeço o seu comentário e as dúvidas e as perplexidades que nele aponta, que são mais comuns do que lhe possam parecer. Tentarei desfazê-las, ainda que através duma resposta longa.

1-Origem do lucro.

Para que o lucro se origine basta que o trabalho vivo seja comprado abaixo do seu valor (quando usado sem qualificativo, o termo valor refere-se ao valor do custo de produção), isto é, que o seu valor de troca seja inferior ao seu valor do custo de produção. Se o trabalho fosse comprado pelo seu valor, se o valor de troca e o valor de custo do trabalho fossem idênticos, não haveria lugar a lucro. É, pois, na troca de uma determinada quantidade de trabalho vivo por uma menor quantidade de trabalho passado que é originado o lucro ou valor apropriado. O lucro tem origem na relação social entre capitalistas e trabalhadores assalariados, através da troca das mercadorias de que são possuidores, no caso, através da compra e venda do trabalho e dos seus produtos.

A concepção do Marx de que o lucro seria originado na produção resulta da aceitação da premissa de que a troca das mercadorias era uma troca equitativa. Sendo aceite como plausível esta premissa, as mercadorias seriam trocadas pelos seus valores e da sua troca não resultava qualquer lucro. Desde modo, o lucro só poderia ser originado na produção das mercadorias. Constituindo os factores produtivos mercadorias tendo o seu próprio valor, o produto resultante não poderia ter valor superior ao somatório dos valores das mercadorias que lhe deram origem. Também assim, a origem do lucro ficava por desvendar. Para ultrapassar este impasse, o Marx identificou a força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado e atribuiu-lhe a faculdade mágica de fornecer mais valor do que o seu próprio valor. Esse valor a mais constituía o lucro, que deste modo aparecia como sendo originado na produção. Com esta explicação, a ocorrência do lucro era apresentada como coisa natural, e a sua apropriação pelo capitalista estava plenamente legitimada, simples consequência de ter comprado a força de trabalho, a mercadoria mágica que tinha a faculdade de proporcionar mais valor do que o seu próprio valor.

A premissa da troca equitativa fazia também corresponder o valor das mercadorias ao seu valor de troca. Se as mercadorias eram vendidas pelos seus valores, os seus valores de troca coincidiam com os seus valores do custo. Daí que na obra do Marx o valor seja apresentado como expresso pelo valor de troca. A grande variabilidade dos salários das diferentes profissões, ou da mesma profissão em diferentes regiões ou em diferentes épocas, porém, parecia contrariar o princípio de que o valor de troca da força de trabalho — o salário — fosse expressão do valor do custo da sua produção, visto não ser plausível que a mesma quantidade de força de trabalho ou de energia humana, pudesse ter custos de produção tão variados. Do mesmo modo, aquele princípio parecia contrariar o desenvolvimento desigual que se observava entre o modo de produção tributário e o modo de produção capitalista ou entre as diversas formações económico-sociais capitalistas. O Marx explicava a variação do valor da força de trabalho pela acção de factores históricos na formação dos trabalhadores assalariados, pela acção das culturas locais, ou, até, pela luta reivindicativa dos trabalhadores. Apesar de muito diversificados, porém, aqueles factores não intervêm no processo fisiológico da produção da força de trabalho, e, por isso, não podem determinar o valor do custo que dele resulta.

Facilmente se comprova que as premissas de que o Marx partiu — a troca equitativa e a capacidade da força de trabalho para fornecer mais valor do que o seu próprio valor — não se mostram plausíveis. A grande variação salarial, por exemplo, mostra que a força de trabalho produtora de diversos tipos de trabalho não é trocada pelo valor do custo da sua produção; e, por outro lado, nenhum factor produtivo, seja qual for, fornece mais valor do que aquele que possuía como mercadoria, porque nada fornece mais do que contém, seja do que for que contenha. Deste modo, como a realidade não permite comprovar que as mercadorias sejam trocadas pelos seus valores, nem que no processo produtivo a força de trabalho crie mais valor do que aquele com que nele entrou, e, pelo contrário, permite refutar a sua veracidade, a explicação marxista para a origem do lucro na produção revela-se falsa. Para a refutação, como se vê, basta a demonstração da falsidade das premissas, mesmo sem necessidade de refutar outras falsidades da concepção marxista, como a que identifica a força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado e a que apresenta o valor como sendo criado pelo trabalho.

Na produção das mercadorias é originado o valor, não o lucro. É aí que o trabalho é produzido e nasce como coisa com custo de produção; depois, através do seu consumo, o seu valor é transferido para as coisas que são objecto da sua acção. Os objectos do trabalho não adquirem outro valor que não o do trabalho que os transforma. A marca da sua acção, fazendo com que os objectos de trabalho adquiram novas utilidades, é a forma através da qual o trabalho vivo lhes transmite o seu valor. O trabalho vivo tampouco cria o valor; o valor é criado pela energia humana ao produzir o trabalho humano; este, por sua vez, enquanto é produzido, transfere o seu valor para os objectos da sua acção. No processo produtivo, através da produção do trabalho e dos seus produtos, é criado o valor das mercadorias; e não é criado outro valor que não seja o valor do próprio trabalho, passado ou presente, que nele participa. Se na troca do trabalho presente ou vivo por trabalho passado ou morto o trabalhador receber a mesma quantidade de trabalho que forneceu não há lugar à existência de lucro. O lucro é originado na relação social de troca desigual estabelecida entre o capitalista e o trabalhador assalariado, através da troca de uma quantidade de trabalho por outra quantidade menor.

2-O valor dos meios de subsistência como criador do valor da força de trabalho.

Esta é também uma concepção falsa do Marx. Não é possível identificar a substância da força de trabalho, da energia humana, e, por isso, não é possível medir e determinar o valor do custo da sua produção. Em conformidade com a premissa de que as mercadorias eram trocadas pelos seus valores, o Marx atribuiu-lhe como seu valor o valor pelo qual ela era trocada; nada, a não ser a aceitação daquele princípio, permitia comprovar que o seu valor de troca correspondesse ao valor do custo da sua produção. De qualquer modo, admitindo a força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador, e admitindo também como seu valor o valor pelo qual era trocada, o valor das mercadorias teria de ser constituído pelo valor da força de trabalho, passada e presente, consumida na sua produção. Com base na premissa da troca equitativa, a explicação da origem do lucro continuaria a não ser possível. Daí a necessidade de invocar características especiais para a mercadoria força de trabalho e de atribuir a criação do valor ao trabalho.

Na concepção marxista, o trabalho é definido como sendo a substância criadora do valor. Para ter valor, a força de trabalho teria de ser, obrigatoriamente, um produto do trabalho. Paradoxalmente, o trabalho vivo, a substância criadora do valor, não entra na produção da força de trabalho; em coerência argumentativa, a força de trabalho não poderia possuir qualquer valor, ou, para tê-lo, o trabalho vivo não poderia ser a substância criadora do valor. O Marx, contudo, atribuiu valor à força de trabalho; não o fazer constituiria um absurdo, uma vez que ela não era vendida graciosamente. Em contradição com a premissa de que o valor das mercadorias seria criado pelo trabalho vivo, o valor atribuído à força de trabalho correspondia ao trabalho passado ou morto contido nas mercadorias compradas pelo salário. Esta contradição lógica, porém, mostrava-se necessária para a formulação da sua concepção da origem do lucro na esfera da produção.

Para além de ter o seu valor criado pelo trabalho passado ou morto, já que o trabalho vivo não participava na sua produção, ao contrário do que acontecia com as restantes mercadorias, a força de trabalho ainda tinha a faculdade de fornecer maior quantidade de trabalho do que aquela que fora necessária para a sua produção. A realidade mostrava, de facto, que o trabalho vivo não participava na produção da força de trabalho e que o valor que lhe era atribuído constituía um valor menor do que o fornecido pelo trabalhador ou criado pelo trabalho produzido pela força de trabalho. A realidade não mostrava, porém, que o valor de troca da força de trabalho constituísse o valor do custo da sua produção. Admitir que o valor de troca da força de trabalho correspondia ao valor do custo da sua produção decorria apenas da premissa não plausível de que as mercadorias eram trocadas pelos seus valores. Não ter o seu valor criado pelo trabalho vivo, mas apenas pelo trabalho passado, e ter a faculdade de fornecer mais valor do que aquele que continha são, portanto, as características que fazem da força de trabalho uma mercadoria especial no reino das mercadorias. A primeira das características contradiz a premissa de que o trabalho vivo é o criador do valor; a segunda contradiz o princípio físico de que nada fornece mais do que contém, seja do que for que contenha.

Impõe-se questionar se uma mercadoria tão especial, dotada de propriedades tão paradoxais, será sequer uma mercadoria real. Quando se confronta a força de trabalho com as características definidas para as mercadorias — produtos úteis, produzidos para serem trocados, sendo para esse efeito fornecidos para o consumo de outros — verifica-se que ela não reúne tais condições. A força de trabalho, a energia humana ou capacidade de produzir trabalho humano, não pode ser desligada da pessoa que a produz, o trabalhador assalariado, e, por esse facto, não pode ser fornecida a outros, para eles, consumindo-a, produzirem trabalho humano. Embora a mercadoria vendida seja identificada com a força de trabalho, a impossibilidade de a fornecer faz com que o produto fornecido não seja a própria mercadoria vendida, mas um produto produzido com ela pelo trabalhador: o seu trabalho. Se o trabalhador fornece como produto o trabalho por si produzido com a sua força de trabalho, é ele, e não a força de trabalho, que o trabalhador vende. Deste modo, é falsa a identificação marxista da força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado.

Se o trabalho é o produto fornecido pelo trabalhador, é ele a mercadoria que este vende; e se o trabalho é um produto da força de trabalho, da energia humana, é esta a substância de que ele é constituído. Deste modo, todas as mercadorias podem ser reduzidas à mercadoria trabalho, que assim constitui a mercadoria universal, e o seu valor corresponderá ao valor do trabalho. O valor do trabalho será determinado pela quantidade da substância de que é constituído, a energia humana. Se homogeneizarmos os diferentes tipos de trabalho, reduzindo-os a um trabalho geral e abstracto que para a sua produção exija a mesma quantidade de energia, a unidade de medida do valor do trabalho pode também ser reduzida ao factor que diferencia o seu valor: o tempo da sua produção. Esta concepção, que constitui uma inversão da concepção marxista, elimina as contradições lógicas e a falsidade das premissas em que aquela se baseava. Abandonando a premissa da troca equitativa, originária da economia política clássica e aceite como plausível pelo Marx, cuja falsidade foi já também demonstrada, é possível com esta nova concepção formular explicação plausível para a origem do lucro: ele é originado na troca desigual entre o capitalista e o trabalhador assalariado, através da venda do trabalho vivo abaixo do seu valor.

A concepção do Marx identificando a força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador, atribuindo o valor do custo de produção da força de trabalho ao seu valor de troca, identificando o trabalho vivo como sendo a substância criadora do valor e explicando a origem do lucro pela faculdade mágica da força de trabalho para fornecer mais valor do que o seu próprio valor, portanto, não tem qualquer consistência. Assim como também não tem qualquer consistência a qualificação da troca das mercadorias como troca equitativa, feita pelos economistas clássicos e aceite pelo Marx. Na tentativa de ultrapassar as dificuldades com que o Ricardo se defrontara, o Marx arranjou uma explicação para a origem do lucro baseada em argumentação inválida, porque ferida de contradições lógicas, e em conclusões falsas, porque assente em premissas não plausíveis. A sua concepção da origem do lucro não tem qualquer credibilidade. Só admira que ainda hoje continue sendo aceite pelos marxistas como válida.

Apesar da falsidade da concepção marxista, persiste no senso comum a ideia de que a força de trabalho, a energia humana, é produzida pelas mercadorias compradas pelo salário, e que teria como valor o valor dos meios de subsistência. A energia humana, contudo, é produzida pela utilidade daquelas mercadorias, ou pela utilidade da parte que constitui os meios de subsistência, e pela utilidade do corpo humano para transformar as substâncias energéticas que elas contêm em energia humana. A energia humana, portanto, é produto da utilidade dos meios de subsistência e do corpo humano vivo. Apesar dos meios de subsistência terem valor, o valor do trabalho consumido na sua produção, não sabemos como atribuir valor ao corpo humano vivo, o outro factor produtivo cuja utilidade é indispensável para transformar a energia contida nos meios de subsistência em energia humana; deste modo, não é possível atribuir valor à energia humana, porque o seu valor é indeterminado. Poderíamos atribuir ao corpo humano, ou à própria energia humana, valor de troca, legitimando-o como renda pela cedência do seu produto; mas do que estamos tratando é do valor do custo de produção das mercadorias, não do seu valor de troca nem de um hipotético valor que se pudesse (se se pudesse) atribuir à substância de que são constituídas as mercadorias.

A energia humana é um produto da utilidade dos meios de subsistência e do corpo humano vivo; e aquelas utilidades produzem maior quantidade de energia humana do que o trabalhador utiliza para produzir o trabalho que vende. Pudera que assim não fosse; o homem seria então reduzido a mera máquina de produzir o trabalho que venderia. A energia humana é a essência da vida, produz trabalho para dar e vender, e ainda muitas outras actividades humanas. A energia humana produzida pela utilidade dos meios de subsistência e do corpo humano é muito maior do que a necessária para produzir o trabalho que o trabalhador assalariado vende; e é precisamente por esse facto determinante que a troca desigual é possível. Se a produtividade do trabalho humano não permitisse produzir mais do que o necessário para a sua produção nenhum excedente haveria para poupar ou para ser apropriado por outros.

A utilidade, porém, é a capacidade dos produtos para responderem a necessidades humanas, e o que, por esse facto, lhes confere aptidão para a troca, para serem transformados em mercadorias. Os produtos são trocados pela sua utilidade, mas pela utilidade que têm para outros; se eles fossem úteis para o seu produtor ele não se desfazia deles. E para cada produtor aceder à utilidade dos produtos alheios fornece o que para si constituiu o custo do produto que cede. A utilidade é diversa para os diversos produtores e é sempre a utilidade do produto alheio; o que é comum a todos eles é o custo da produção dos seus produtos. A utilidade não é grandeza objectiva, cujo valor se mantenha inalterado independentemente da necessidade do consumidor ou de outros factores. O valor da utilidade é variável em função de muitos factores, e essa variabilidade está também reflectida na variabilidade do valor de troca ou preço das mercadorias. Estas características da utilidade não permitem garantir que a troca das utilidades dos produtos seja feita com base no custo da sua produção. O custo da produção, como grandeza objectiva, é que permite determinar o que cada um fornece de seu para aceder à utilidade do produto alheio. Essa troca de custos de produção pode ser equitativa ou não.

Na determinação do valor do custo de produção das mercadorias não se pode misturar o custo de produção com a utilidade; o valor do custo não pode ser determinado pelo valor da utilidade; a utilidade produz utilidade, não produz custo de produção. A concepção do Marx, porém, misturava o valor do custo com a utilidade. O valor do custo de produção das mercadorias era criado pelo trabalho; não pelo valor do trabalho (ou da força de trabalho, já que na concepção marxista o trabalho não tinha valor, embora fosse medível e quantificado…), mas pela utilidade da mercadoria força de trabalho, tal era nela a qualificação atribuída ao trabalho. O valor do custo de produção de uma qualquer mercadoria é apenas determinado pelo valor do custo de produção do trabalho de diversas utilidades que tenha sido consumido na sua produção, visto a produção das restantes mercadorias e do trabalho que as origina ser concomitante e o trabalho constituir a mercadoria universal.

Na minha concepção da origem do lucro não existe qualquer contradição ou qualquer tendência para a desvalorização contínua do trabalho, como lhe parece. O valor do trabalho permanece inalterado; dez horas de trabalho continuam sendo dez horas de trabalho, hoje ou noutra altura qualquer, aqui ou em qualquer lugar. O valor do trabalho não é função do valor das mercadorias compradas pelo salário; é apenas função da energia humana consumida para o produzir. As variações do salário, as variações do valor de troca do trabalho, apenas reflectem a variação da troca desigual; quanto menor o salário, ou, melhor, quanto menor o valor das mercadorias compradas pelo salário, em troca do mesmo tempo de trabalho fornecido pelo trabalhador, quanto maior a taxa de exploração ou do valor apropriado. Devido ao facto dos preços das restantes mercadorias não descerem concomitantemente com a subida da produtividade, os ganhos de produtividade (ou a inflação dos preços) reduzem o valor do salário (o que o Marx designava por mais-valia relativa), até que a concorrência faça baixar os preços ou que a luta reivindicativa dos trabalhadores faça subir os salários. A luta económica, reflectida na variação dos preços e dos salários, não altera o valor do trabalho; altera apenas os termos da troca desigual.

Espero tê-lo elucidado. Tentei, nesta versão, tornar a exposição menos confusa. De qualquer modo, caso persistam as dúvidas ou tenham surgido outras, esteja à vontade para colocá-las.

Disponha sempre. Cumprimentos.

JMC.

 

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