quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A famosa conversão dos valores em preços de produção (2)


AINDA A FAMOSA CONVERSÃO DOS VALORES
EM PREÇOS DE PRODUÇÃO


José Manuel Correia


O modelo de formação dos preços nominais das mercadorias elaborado pelo Marx é o corolário da errada fundamentação em que baseou a sua crítica da economia política. A concepção do valor das mercadorias sem definir a característica da mercadoria que o conceito representaria, o seu custo de produção, ao contrário do que sucedera com os conceitos valor de utilidade e valor de troca, confundindo a característica, que não identificou, com a sua medida, o valor ou quantidade de trabalho, ficando-se por uma tautologia sem sentido (o valor como quantidade de trabalho, e a quantidade de trabalho como valor do valor); a aceitação da falácia da troca equitativa, defendida pela ideologia dominante como lei geral da troca das mercadorias; a identificação da força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, ao invés do trabalho, para assim tentar ultrapassar a inconsistência da concepção da génese do lucro em que o David Ricardo esbarrara; a concepção da génese do lucro como mais valor fornecido por uma mercadoria mágica, a força de trabalho, como se alguma coisa pudesse fornecer mais do que contém, seja do que for que contenha; a distinção do capital produtivo em capital constante e capital variável, a parte empregada em salários, e a criação do conceito de taxa de mais-valia relacionando o lucro com os salários; a determinação do montante do lucro particular pela aplicação da taxa geral de mais-valia esperada, ocasionando a apropriação não proporcional do lucro social; a concepção da apropriação de valor como ocorrendo na esfera da produção e não na circulação das mercadorias, e, sob a forma de lucro particular, sem qualquer referência à formação e à repartição equitativas e à distribuição mútua do lucro social; enfim, todos estes erros do Marx estão reflectidos no seu modelo de formação dos preços nominais das mercadorias, o qual, por isso, acabou por constituir uma fantasia não representativa da realidade.

Para ilustrar a formação do valor das mercadorias e a génese do lucro, o Marx utiliza, no seu modelo inicial de formação dos preços nominais, um capital produtivo particular, frequentemente identificado como aplicado num ramo concreto, curiosamente, o dos têxteis, que toma para exemplo da diversidade dos capitais particulares. Aquele capital, na forma de capital dinheiro, encontra no mercado os meios de produção e a força de trabalho que adquire para empregar no processo produtivo em que é aplicado. O seu objectivo é a produção de novas mercadorias, para com a sua venda poder ser transformado em mais capital dinheiro. Nessa fase do ciclo da sua reprodução, o capital empregado está apenas consumido, na totalidade ou em parte, não vem agora ao caso; e entre o valor por ele representado e o valor das novas mercadorias com ele produzidas existe uma diferença de valor. Segundo a concepção do Marx, o valor destas mercadorias seria superior ao valor das que entraram na sua produção devido à mercadoria mágica força de trabalho possuir o “dom” de fornecer mais valor do que o seu próprio valor, aquele com que entrara no processo produtivo; desse modo, aquele valor a mais, a mais-valia, era tido como criado no processo produtivo pelo trabalho, identificado como sendo a utilidade da força de trabalho. No mundo real da produção das mercadorias, porém, as coisas passam-se de modo diverso do descrito na concepção marxista. Ao contrário do que é afirmado nessa concepção, embora as novas mercadorias produzidas tenham valor superior ao valor representado pelo capital consumido na sua produção, esse seu valor corresponde ao das mercadorias que nela participam, visto estas não fornecerem mais valor do que aquele com que entram no processo produtivo; a força de trabalho, a mercadoria mágica que teria a especial utilidade de ultrapassar as leis da física criando mais valor do que o seu próprio valor, não passa duma mercadoria fictícia; a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado é o seu trabalho, cujo valor é o do custo da sua produção; o valor dos restantes tipos de mercadorias produzidas é o correspondente ao valor do trabalho consumido na sua produção; e o valor deste trabalho é superior ao valor pago pela sua compra.

Existe, de facto, uma diferença entre o valor contido nas novas mercadorias, a quantidade de trabalho presente fornecida pelos trabalhadores que participaram na sua produção e na produção dos meios de produção consumidos, e o valor ou a quantidade de trabalho por eles recebida sob a forma de trabalho passado contido nos meios de subsistência com que foram pagos. Essa diferença de valor, contudo, não constitui um valor a mais que as novas mercadorias contenham para além daquele que entrou na sua produção, mas o valor a menos recebido em pagamento pelos trabalhadores que as produziram. Uma parte dessa diferença de valor foi já distribuída antecipadamente pelo capital comprador aos capitais vendedores dos meios de produção como seus lucros, e corresponde ao valor a menos recebido pelos trabalhadores que os produziram; e a outra parte, que constituirá o lucro daquele capital, corresponde ao valor a menos que os trabalhadores que produziram as novas mercadorias receberam. A diferença de valor apropriada, primeiramente sob a forma de trabalho, será transformada em lucro, quer como lucro distribuído antecipadamente por aquele capital, quer como seu próprio lucro, apenas quando as novas mercadorias forem usadas como meio de pagamento de novo trabalho presente que seja comprado, por constituírem meios de subsistência ou por participarem na sua produção como meios de produção. Para que o lucro venha a ocorrer, antes de mais, é necessário que o valor contido nas novas mercadorias seja apreciado — através da formação do seu valor de troca nominal ou da sua relação quantitativa com outras mercadorias, e da formação do seu preço nominal ou da sua relação quantitativa com uma mercadoria equivalente geral — pela aplicação da taxa de lucro esperada, e, depois, que as mercadorias sejam vendidas. Só então o valor apropriado sob a forma de trabalho por um capital particular será transformado em lucro, e sob esta forma distribuído a este capital pelos compradores das mercadorias que vendeu.

A apreciação do valor do trabalho passado contido nas novas mercadorias constitui a forma de depreciar o valor do trabalho presente em cujo pagamento elas vierem a participar, directamente, no caso de serem meios de subsistência, ou indirectamente, no caso de serem meios de produção. Se a venda da produção se ficasse pelo preço de compra dos factores produtivos apenas a parte consumida do capital empregado seria reproduzida e, para este capital, nenhum lucro seria gerado; neste caso, as mercadorias seriam vendidas por preço inferior ao do seu valor, por preço correspondente apenas ao do valor do trabalho presente anterior e ao do valor depreciado do trabalho presente actual consumidos na sua produção, visto a diferença entre o seu preço como trabalho passado representado pelos factores produtivos, na forma dos meios de produção e dos meios de subsistência comprados pelos salários, e o preço do trabalho presente que os originou ter sido distribuída aos vendedores daquelas mercadorias como seus lucros. Sem terem o seu valor apreciado de novo as novas mercadorias não depreciariam o trabalho presente em cujo pagamento viessem a ser utilizadas e não proporcionariam o lucro do capital empregado na sua produção. No processo de produção, portanto, não é criado qualquer valor suplementar ao do valor do trabalho empregado: a quantidade de trabalho que dele sai é a mesma da que nele entrou, porque uma quantidade de trabalho não se transforma noutra quantidade; deste modo, aí também não é gerado o lucro. É no processo de circulação, quando os novos produtos são vendidos como mercadorias para participarem, directa ou indirectamente, na troca por novo trabalho presente, que o lucro é gerado. Esta génese ocorre através dos valores de troca das mercadorias, e dos seus preços, formados apreciando continuamente o valor do trabalho nelas contido, isto é, atribuindo-lhe valor de troca e preço superiores àqueles pelos quais foi comprado, até que sejam vendidas aos trabalhadores e, assim, depreciem o valor do novo trabalho presente pelo qual venham a ser trocadas.

A apropriação duma parte do valor criado na produção, portanto, ocorre na circulação das mercadorias, nas trocas de umas por outras, através dos seus valores de troca e dos seus preços; e, sob a forma de lucro do capital, essa apropriação apenas ocorre quando o trabalho passado contido nas mercadorias é vendido a quem é comprado como trabalho presente. Devido à divisão do trabalho social por processos produtivos distintos, e à divisão da produção social em dois grandes ramos, o dos meios de produção e o dos meios de subsistência, ambos os ramos compram trabalho aos trabalhadores, mas apenas o ramo dos meios de subsistência lhes vende mercadorias; o ramo dos meios de produção vende as suas mercadorias no seu interior e ao ramo dos meios de subsistência, e não aos trabalhadores; o trabalho passado contido nos meios de produção constitui uma forma intermédia do trabalho passado que será vendido aos trabalhadores sob a forma de meios de subsistência. Sendo o lucro do capital realizado com a venda do trabalho passado a quem o vende como trabalho presente, o lucro apropriado pelo ramo dos meios de produção é-lhe distribuído, antecipadamente, por quem compra as suas mercadorias, o ramo dos meios de subsistência, o único ramo que efectua compras e vendas aos trabalhadores. As trocas entre os dois ramos da produção social, porém, não se resumem às vendas do ramo dos meios de produção ao ramo dos meios de subsistência; este, por seu lado, também vende mercadorias ao ramo dos meios de produção, através dos meios de subsistência comprados pelos salários dos trabalhadores daquele ramo, que assim retribui um lucro equivalente ao que lhe fora distribuído antecipadamente. A parte restante do lucro social, para além daquela distribuída ao ramo dos meios de produção e que este retribuiu, realiza-a o ramo dos meios de subsistência no seu interior, pela troca desigual com os seus próprios trabalhadores, acabando por constituir o lucro correspondente ao valor do trabalho de que este ramo efectivamente se apropria. O montante do lucro social esperado é determinado pelos preços nominais das mercadorias formados pela aplicação de taxas de lucro esperadas; e a sua repartição equitativa pelos diversos capitais particulares, na medida em que cada um contribuiu para a sua formação, assim como a sua distribuição mútua são efectuadas pelas trocas entre capitais, directa e indirectamente, constituindo partes do lucro social que resultará da venda de meios de subsistência aos trabalhadores. O mercado, através da concorrência e da mobilidade dos capitais, determinará a produção adequada e transformará os preços nominais em preços efectivos ou de mercado, dos quais resultarão os lucros particulares e social obtidos e as respectivas taxas.

Mesmo sem entrar em pormenores sobre a diferenciação das taxas de lucro obtidas pelos diversos capitais particulares, pela transformação dos preços nominais em preços efectivos, devida a múltiplos factores, nem sobre a geração duma parte do lucro social por trocas desiguais vantajosas com modos de produção pré capitalistas internos e com mercados externos, nem sobre a função do crédito como adiantamento do dinheiro necessário para a efectivação da reprodução ampliada do capital social, um qualquer modelo de formação dos preços nominais teria de levar em consideração aquelas características fundamentais da produção social e a forma como se processa a apropriação por cada capital particular da parte com que contribuiu para o lucro social. Para poder representar a realidade da produção social, ainda que com as restrições apontadas, o modelo de formação dos preços nominais das mercadorias elaborado pelo Marx teria de considerar os produtores dos dois tipos de mercadorias representando o trabalho passado e o produtor do trabalho presente, assim como as suas trocas mútuas, de modo a ilustrar o ciclo da reprodução do capital e a transformação do capital dinheiro em mais dinheiro. Embora o lucro só exista sob a forma de mais dinheiro do que aquele que foi empregado como capital produtivo, e por isso apenas ocorra com a venda da produção, bastou a afirmação, não demonstrada, de que a força de trabalho fornecia mais valor do que o seu próprio valor, a mais-valia, para que o lucro fosse dado como produzido, criado no processo imediato de produção, e a apropriação realizada. Ora, nem a apropriação de valor ocorre na produção nem o lucro do capital é constituído por valor suplementar contido nas mercadorias para além daquele que entrou na sua produção. A apropriação de valor ocorre na troca; ela efectiva-se, primeiramente, sob a forma de trabalho, pela compra do trabalho presente por preço abaixo do preço do valor, e, depois, na forma de lucro do capital, pela venda do trabalho, sob a forma de trabalho passado, pelo preço do valor. O valor apropriado provém da troca desigual entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados, pela repartição desigual do valor do trabalho consumido na produção das mercadorias, e não de um suposto mais valor que as mercadorias contenham para além daquele que entrou na sua produção; e como lucro do capital, sob a forma de mais dinheiro do que o aplicado como capital produtivo, também apenas ocorre na esfera da circulação, quando o capital mercadoria é transformado em capital dinheiro, na troca de mercadorias com os produtores do trabalho.

Não ter identificado a que característica das mercadorias se referia o que era comummente designado por valor foi também uma lacuna da concepção do Marx acerca da génese do lucro. Embora não se soubesse a que característica das mercadorias se referia o que era designado por seu valor, o que constituía uma flagrante ambiguidade, tal não impedia a comparação desses designados valores. Mas não ter questionado a famosa lei geral da troca das mercadorias, a chamada troca equitativa, aceitando pacificamente a representação que a ideologia dominante fazia das trocas, foi talvez o principal erro cometido pelo Marx. Foi este erro que o conduziu para a identificação da força de trabalho como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, em vez do trabalho, reconhecido pela economia política clássica como sendo a mercadoria que aquele vendia. Com essa identificação, aceite como sendo a sua inovação em relação à economia política clássica, o Marx arranjou uma forma de ultrapassar as dificuldades do Ricardo para fundamentar de forma consistente a génese do lucro, mas a solução que engendrou acabou por constituir um clamoroso erro. Atribuir a génese do lucro à capacidade, ao “dom”, da força de trabalho para proporcionar mais valor do que aquele que continha, como se algo pudesse fornecer mais do que contém, seja do que for que contenha, constitui uma completa inversão da realidade, confundindo o valor a menos atribuído na troca à força de trabalho com um suposto valor a mais que ela teria a capacidade de fornecer no processo produtivo. O trabalhador, de facto, recebe como pagamento pela mercadoria que vende menos valor do que aquele que ela contém, mas isto é muito diferente de a sua mercadoria ter a capacidade sobrenatural de criar mais valor do que aquele que contém. A concepção do Marx da génese do lucro como mais-valia diferencia-se de outras anteriores que não a fundamentavam de forma consistente e apenas o legitimavam; ela, contudo, acaba por constituir uma concepção fantasiosa, porque a fundamenta como sendo devida às propriedades paradoxais duma mercadoria mágica. A concepção acertada, porém, era do domínio dalguma economia vulgar, que reconhecia o lucro como sendo originado pela apreciação das restantes mercadorias face à mercadoria que o trabalhador vendia. Aceitar uma concepção tão prosaica conduziria ao reconhecimento da existência duma troca desigual entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados e à refutação da troca equitativa como lei geral das trocas, que os reputados ideólogos haviam proclamado; independentemente das razões que fossem invocadas para legitimar o lucro, impolutos e honrados burgueses capitalistas seriam assim apresentados como vulgares trapaceiros e burlões, com todos os inconvenientes que isso acarretaria.

Na errada concepção do Marx, portanto, o lucro era concebido como mais-valia, valor suplementar fornecido pela força de trabalho para além do seu próprio valor, criada no processo de produção pelo trabalho, por sua vez, identificado como sendo a utilidade da força de trabalho; e o montante do lucro obtido por cada capital particular decorria da aplicação duma taxa de mais-valia à sua parte empregada na compra da força de trabalho, os salários. A designação de capital variável que atribuiu a esta parte do capital produtivo visava precisamente relacionar o lucro com os salários, e assim criar o conceito de taxa de mais-valia. Numa situação de completa mobilidade da força de trabalho, sendo similares os níveis dos salários em qualquer ramo da produção social, em condições de igualdade da jornada, do esforço e do ritmo, ou potência, do trabalho, ocorreria uma taxa geral de mais-valia, a relação do lucro social com a parte do capital social empregada como salários. Nada permitia afirmar que os preços nominais com que as mercadorias eram apresentadas no mercado fossem formados pela aplicação da taxa geral de mais-valia esperada, nem que os lucros esperados, particulares e social, fossem o resultado de preços nominais assim formados, mas foi em torno do conceito de taxa geral de mais-valia que o Marx elaborou o seu modelo de formação dos preços nominais. Concebendo o lucro como mais valor fornecido pela força de trabalho no processo produtivo, transformou a taxa geral de mais-valia em taxa de mais-valia particular, comum a todos os processos produtivos, e apresentou os diversos preços nominais como sendo formados pela aplicação da taxa geral de mais-valia ao capital empregado como salários. Preso a esta concepção, não considerando o lucro como sendo originado pela troca desigual entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados, não poderia compreender que o capital empregado como meios de produção, que representava trabalho passado intermédio contendo lucros distribuídos antecipadamente aos seus vendedores, fosse também fonte de lucro para o capital comprador, correspondente aos lucros que este distribuíra com a sua compra, o qual seria gerado pela venda de meios de subsistência aos trabalhadores daquele ramo, aos quais não comprava trabalho; não poderia conceber, portanto, que a formação dos preços nominais pela aplicação da taxa de lucro esperada, e não pela aplicação da taxa geral de mais-valia, era o meio de determinar o lucro particular esperado e de efectuar a sua apropriação, pela repartição equitativa do lucro social, na medida em que cada capital contribuíra para a sua formação, e pela sua distribuição mútua.

De um tal modelo de formação dos preços nominais resultavam lucros particulares não proporcionais aos capitais empregados e taxas de lucro particulares inversamente proporcionais às suas composições orgânicas, a relação entre a parte empregada como meios de produção, designada por capital constante, e a parte empregada como salários, designada por capital variável. Como consequência, os capitais afluiriam para os ramos em que fosse menor a composição orgânica do capital, cuja rentabilidade seria maior, não procurando ou abandonando os ramos de maior composição orgânica, de menor rentabilidade, provocando desequilíbrios na distribuição do capital social e entre a oferta e a procura das mercadorias, com a consequente baixa dos preços de mercado e das taxas de lucro obtidas nos ramos em que o capital fosse excessivo e o aumento dos preços de mercado e das taxas de lucro nos ramos em que fosse insuficiente, até que novas mobilidades redistribuíssem o capital social equilibradamente e reconduzissem os preços de mercado e as taxas de lucro obtidas a preços e a taxas de equilíbrio. Se estes preços de mercado promoviam o equilíbrio da produção social e, sendo similares a produtividade e as demais condições, proporcionavam taxas de lucro particulares similares, da hipotética aplicação do modelo inicial de formação dos preços nominais do Marx resultava um cenário discrepante, já que dele decorriam taxas de lucro desiguais, inversamente proporcionais às composições orgânicas dos capitais. Com o novo modelo de formação dos preços nominais pela aplicação da taxa geral de lucro, os preços de produção, era pretendido resolver a inconsistência do modelo inicial e a sua discrepância com a realidade. A obtenção de taxas de lucro similares em que o novo modelo se baseava, contudo, era justificada de modo inverosímil, quer porque a taxa geral de lucro esperada é o resultado de taxas de lucro particulares esperadas e dos preços nominais particulares que delas resultam, e não a sua causa; quer porque os preços nominais assim formados representam os valores das mercadorias a que se referem, e não são deles divergentes, como era invocado; quer, ainda, porque a repartição do lucro social corresponde à apropriação por cada capital particular da mesma parte com que para ele contribuiu, e não reflecte qualquer apropriação de lucros alheios.

Um modelo em que o lucro é concebido como produto do emprego da totalidade do capital, porque todo ele compra trabalho, a mercadoria universal, independentemente da forma como se apresente, e, em conformidade, os preços nominais são formados pela aplicação da taxa de lucro esperada, mostra-se consistente, ao contrário de qualquer dos modelos elaborados pelo Marx. O lucro é gerado pela troca desigual entre os capitalistas e os trabalhadores assalariados, através da depreciação do trabalho presente, a mercadoria vendida pelos trabalhadores, depreciação efectuada pela apreciação das restantes mercadorias, através da formação dos seus preços nominais pela aplicação de taxas de lucro esperadas. Se os preços nominais de todas estas mercadorias contiverem lucro resultante da aplicação de taxas esperadas similares os seus valores de troca nominais ou preços nominais relativos não se alteram, o lucro particular esperado é proporcional ao capital empregado e a sua apropriação é efectuada pela repartição equitativa e pela distribuição mútua do lucro social resultante da venda das mercadorias por preço contendo lucro aos trabalhadores assalariados, através das compras e vendas que os diversos capitais particulares efectuam entre si. Deste modo, a apreciação de todo o trabalho comprado, passado e presente, é a forma de depreciar todo o trabalho presente, independentemente de quem o compre; e a determinação dos lucros particulares esperados através da formação dos preços nominais pela aplicação de taxas de lucro esperadas constitui a forma de determinar o lucro social esperado e de reparti-lo e distribuí-lo por entre os diversos capitais particulares na medida em que cada um para ele contribuiu. Este modelo de formação dos preços nominais das mercadorias, por isso, não decorre do altruísmo de uns capitalistas abdicarem de lucros próprios nem da pretensão de outros se apropriarem de lucros alheios para que assim seja realizada uma desejada equidade na rentabilização dos diversos capitais particulares, como resultava duma das justificações da conversão dos valores em preços de produção; nem faz com que umas destas mercadorias sejam vendidas por preços acima do valor e outras por preços abaixo dele, como também foi invocado que acontecia com os preços de produção; um tal modelo constitui a forma necessária para depreciar homogeneamente o trabalho presente, independentemente de quem o compra, atribuindo-lhe preço inferior ao do seu valor, representado pelos preços nominais do trabalho passado assim formados.

A chamada conversão dos valores em preços de produção ficou constituindo uma tentativa de ultrapassar a inconsistência da concepção inicial do valor de troca das mercadorias, baseada na famosa troca equitativa e na formação dos preços nominais pela aplicação da taxa geral de mais-valia, que conduzia à obtenção de lucros não proporcionais aos montantes dos capitais empregados e de taxas de lucro inversamente proporcionais às suas composições orgânicas, adoptando uma outra concepção distinta daquela. O objectivo de arranjar uma concepção que se harmonizasse com a realidade e justificasse de forma consistente a obtenção de taxas de lucro similares, porém, saiu frustrado, por várias razões. Uma das razões prende-se com a própria ilustração do modo como o mercado efectuaria a chamada conversão de hipotéticos preços representativos dos valores nos agora designados preços de produção, pois ela não passou, afinal, da ilustração do modo como o mercado efectua a conversão de preços nominais em preços efectivos ou de mercado, independentemente do modelo empregado na formação dos preços nominais. Outra das razões refere-se à argumentação usada para justificar a nova concepção do valor de troca das mercadorias, fundamentando-a com a reclamação de capitais de idêntico montante obterem lucros similares porque as mercadorias são produto de capitais, pretendendo fazer crer que a anterior concepção do valor de troca das mercadorias e o modelo de formação dos preços nominais que lhe estava associado seriam representativos de um modo de produção distinto do modo de produção capitalista, ao contrário do que sempre fora invocado. Para reforçar, o Engels afirmava, numa sua célebre nota de aditamento ao Livro III de O Capital, que a concepção elaborada pelo Marx (curiosamente, ele refere-se à lei do valor do Marx, como se a concepção dos preços de produção não lhe pertencesse) apenas seria válida para estádios de desenvolvimento anteriores ao capitalismo, sem tirar dessa sua afirmação as necessárias consequências. Uma outra razão é a de que baseando-se a nova concepção no mesmo erro da inicial — concebendo os preços nominais representativos dos valores das mercadorias como sendo formados pela aplicação da taxa geral de mais-valia esperada ao capital empregado em salários — os novos preços de produção, resultantes da aplicação da taxa geral de lucro, desviavam-se forçosamente dos preços nominais tidos por representativos dos valores, mas tais desvios apenas constituem divergência em relação a estes preços, e não em relação aos valores, já que os novos preços de produção, afinal, acabam por ser representativos dos valores. E uma outra razão, ainda, é a de que a invocada transferência de lucro de uns para outros ramos — apresentada como sendo efectuada pelo mercado, mas porque os capitalistas exigiriam lucros proporcionais aos seus capitais, comportando-se como accionistas duma companhia global que desenvolvesse como negócio os vários ramos da produção social, obtendo nuns ramos lucros superiores e noutros lucros inferiores aos proporcionais, consoante a composição orgânica dos capitais, que se compensariam, recebendo cada um dividendo proporcional ao capital que investira — não tem qualquer fundamento, visto as causas dessas transferências, quando ocorrem, não residirem no facto dos preços nominais serem formados pela aplicação da taxa de lucro esperada.

O mercado, de facto, transforma preços nominais formados pela aplicação de diversificadas taxas de lucro particulares esperadas em preços efectivos, corrigindo os preços nominais em função da adequação da produção, da produtividade, da preferência dos consumidores e de outras ocorrências mais fortuitas, e assim determina as taxas de lucro particulares obtidas. Corrigir a diversidade dos preços nominais em função dos factores enumerados e efectuar a transformação da diversidade das taxas de lucro esperadas na diversidade das taxas de lucro obtidas não configura o sortilégio de transformar preços nominais formados pela aplicação duma taxa geral de mais-valia esperada em preços nominais formados pela aplicação de taxas de lucro esperadas, os quais, por serem preços nominais, são prévios à sua transformação em preços efectivos. A razão pela qual os diversos capitais particulares, sendo idênticas as demais condições menos a sua composição orgânica, obtêm taxas de lucro similares é o montante do lucro não ser determinado pela composição orgânica; aliás, se assim não fosse, sectores produtivos exigindo diferente composição técnica do capital reflectida em grande diferença da composição orgânica não teriam tido a oportunidade de serem constituídos, impossibilitando o desenvolvimento do capitalismo. O conceito de composição orgânica, decorrente da divisão do capital produtivo em capital constante e capital variável inerente à concepção do Marx acerca da génese do lucro, foi usado precisamente para ilustrar a diminuição da taxa de lucro proporcionalmente ao aumento da composição orgânica; e taxa de lucro decrescente com o crescimento da composição orgânica do capital até fora uma sua famosa lei para ilustrar a decadência do modo de produção capitalista. A composição orgânica do capital poderá influenciar a diferenciação dos lucros obtidos, mas, ao invés do que era invocado, essa influência será no sentido da maior composição orgânica proporcionar maior taxa de lucro, devido à produtividade diferencial que gere e ao lucro diferencial que daí possa advir. A relação não é directa, porque o aumento da produtividade que possa decorrer do aumento da composição orgânica, em geral, implica aumento da produção, obrigando a baixar os preços para conquistar quota de mercado em desfavor da concorrência, recolocando os sempiternos problemas da adequação e do consumo da produção e, consequentemente, da reprodução do capital, da geração do lucro e da determinação da sua taxa, enfim, a iminência das crises cíclicas de sobreprodução.

A realidade mostrava a tendência para a obtenção de taxas de lucro similares pelos diversos capitais particulares, independentes das suas composições orgânicas; os preços de produção, portanto, cumpriam a função de harmonizar com a realidade a errada concepção inicial do Marx acerca da determinação do montante dos lucros particulares e da forma da sua apropriação, da qual decorria a obtenção de taxas de lucro inversamente proporcionais às composições orgânicas dos capitais. A ilustração de como o mercado produzia a formação dessas taxas de lucro similares, e da taxa de lucro média geral, e a razão pela qual as efectuava, porém, eram fantasiosas; o mercado transforma preços nominais em preços efectivos e lucros esperados em lucros obtidos, determinando a diversidade das taxas obtidas, mas não transforma um modelo de formação dos preços nominais noutro modelo diferente, nem forma qualquer taxa geral de lucro, que é um conceito construído como resultado da totalidade dos lucros particulares em relação com a totalidade do capital social. Fantasia por fantasia, porém, o sortilégio atribuído agora ao mercado não chegava a atingir o prodígio que continuava sendo reconhecido à força de trabalho, a mercadoria mágica que tinha a capacidade de fornecer mais valor do que o seu próprio valor. Preços de produção que se desviavam dos preços tidos por representativos dos valores punham em evidência a falácia da troca equitativa, até entre os capitalistas, dado que uns se apropriariam de lucros alheios; isso, contudo, seria irrelevante, porque eles acabavam por formar uma imensa e harmoniosa confraria na qual uns confrades não se importavam de serem esbulhados por outros duma parte do lucro que lhes era devido, para que assim se realizasse a repartição equitativa do lucro social. Embora essa repartição do bolo fosse efectuada em quinhões distintos e por forma diversa do que o Marx concebera, também isso não importava, constituindo coisa de somenos. Os capitalistas, afinal, eram todos bons rapazes, fraternos ao ponto de uns abdicarem de parte dos seus lucros a favor de outros menos afortunados.

Fora enfim ilustrado o modo como a teoria do valor-trabalho ricardiana poderia ser conformada com a obtenção de taxas de lucro similares, independentes da composição orgânica dos capitais. A fundamentação usada era a de que os capitalistas assim o requeriam, e a forma como tal ocorreria seria a transferência duma parte do lucro de uns para o lucro de outros, através de preços de produção divergentes dos valores. Fundamentação manifestamente incoerente, contraditória com as premissas da troca equitativa e dos preços representativos dos valores anteriormente adoptadas, e também em contradição com a procura da melhor taxa de lucro, que motiva a concorrência dos capitais e a sua mobilidade entre os ramos da produção social. Apesar de fantasiosa, a conversão dos valores em preços de produção constituiria um feito, porque até há pouco ninguém fundamentara solidamente as razões pelas quais os lucros tendiam para serem proporcionais aos capitais empregados e as taxas de lucro tendiam para serem taxas similares. Tamanho feito foi a glória invocada para tapar as vergonhas da errada concepção do Marx acerca da génese e da apropriação do lucro, e assim tentar salvar a honra do convento. A fundamentação da obtenção de lucros particulares correspondentes a taxas similares era errada, e, pelos vistos, não seria original, mas também isso já pouco importava; com a idade avançada do intérprete e editor póstumo dos rascunhos do Marx, fora o que se pudera arranjar. Conhecemos o proselitismo com que tal glória foi reivindicada; restar-nos-ia saber quem teria sido o seu verdadeiro inventor. O mais confrangedor, porém, foi sucessivas gerações de marxistas, desde então, não terem conseguido ultrapassar os erros fundamentais cometidos pelo seu mestre, ficando-se por aspectos secundários, comportando-se como meros apologistas. Ainda hoje, uns não se prendem com a ninharia da inconsistência de qualquer das duas concepções acerca do valor de troca das mercadorias e da determinação do montante e da forma de apropriação do lucro, nem com as discrepâncias entre elas e delas com a realidade, porque não as compreenderam, e outros continuam à procura da solução correcta para a conversão dos valores em preços de produção, como se tal coisa existisse. Mesmo com a fé que os caracteriza, capaz de mover montanhas, os marxistas ainda não descobriram esse graal.

5 Comentários:

Às 1:45 da tarde, setembro 13, 2009 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Para um tal Raul.

Se não tens capacidade para compreender o que está escrito procura ajuda.

Já me deu muito trabalho chegar aqui. Não sei fazer melhor e explicar mais explicadinho.

Escusas de insultar. Desse modo não resolves os teus problemas com as angústias que a realidade te causa.

JMC.

 
Às 10:41 da manhã, setembro 30, 2009 , Blogger Unknown disse...

Meu caro JMC,

Não sou economista, sou jurista, e se pelos valores humanos e pelo amor à liberdade sempre vi o comunismo como um dos males do século passado, posso agora dizer que percebi perfeitamente a crítica à análise económica marxista e a sua iniquidade como sistema económico.
parabéns pelos 2 excelentes textos.
Francisco Reis Lima

 
Às 10:33 da manhã, dezembro 08, 2009 , Blogger CL disse...

Caro JMC
Nos dois textos que dedicou à transformação dos valores em preços de produção e também nos anteriores sobre os erros de Marx acerca do lucro ou da mais-valia parece que não aborda claramente a diferença entre o seu conceito de valor e o mesmo conceito usado por Marx. Você identifica o valor com o valor de custo de produção do trabalho, mas isso faz dele uma grandeza física (a quantidade de energia humana gasta ou o tempo de produção do trabalho) ao passo que para Marx o valor era uma grandeza social. Como as mercadorias não são trocadas em valores de custo mas em preços, fica-se com a sensação que há um hiato qualquer na sua tese. Será o valor uma grandeza física ou uma grandeza social? E como se dá a transformação ou conversão dos valores em preços? Seria bom se pudesse elucidar estes pontos que referi.
Obrigado.
CL

 
Às 11:58 da tarde, dezembro 10, 2009 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Viva CL.

Só agora me é possível responder-lhe.
Julgo ter abordado esse assunto num texto muito anterior aos que refere, "O trabalho, o valor e a mais-valia", que ainda se encontra disponível no blog. Se se der ao incómodo de lê-lo, porque é extenso, poderá desfazer algumas das suas dúvidas.
Dar-lhe-ei aqui uma resposta simples, que poderá não corresponder ao que espera. Terei eu próprio de voltar a ler o citado texto, para me certificar que nele consta a resposta às questões que colocou. Depois, se achar necessário, voltarei a responder-lhe ou farei um novo texto, de modo a melhorar a exposição.
O Marx considerava o valor (assim, sem mais, sem qualquer qualificativo, ao contrário do que acontecia com o valor de uso e com o valor de troca) uma grandeza física, medida em tempo de trabalho. Como também considerava que as mercadorias eram trocadas na proporção dos seus valores, expressos pelos seus valores de troca, e como a troca é uma relação social, pensava que o valor apenas se manifestava nessa relação social. Ora, o valor não é expresso na relação de troca; aí é onde ele é dissimulado, porque as mercadorias não trazem estampado o tempo de trabalho que custaram a produzir; esta, aliás, é uma das razões pelas quais a ideologia dominante continua a apresentar a troca como troca de equivalentes.
É na produção das mercadorias, onde o próprio trabalho empregado é produzido e contabilizado, que o valor do custo é conhecido. Sem este conhecimento, a relação de troca, o valor de troca, ficaria envolta em névoa. E o único valor que é criado na produção é o valor do trabalho, o valor do custo da sua produção. Como o trabalho é o criador das restantes mercadorias, conferindo novas utilidades aos objectos da sua acção, o valor destas mercadorias é o valor do trabalho empregado na sua produção. O trabalho não é algo de etéreo que crie o valor das mercadorias a partir do nada, porque também ele é criado, é produto de alguma coisa; cria-lhes o seu valor porque ele próprio tem valor, o valor do custo da sua produção ou a quantidade de energia humana consumida para produzi-lo.
As mercadorias, como diz, são trocadas pelos seus preços, que não são mais do que a sua relação com uma mercadoria equivalente, a moeda de troca (desde há muito tempo, o dinheiro), que por ser de aceitação comum, facilmente fraccionável e duradoura facilita as trocas. O preço, portanto, é uma outra forma de expressão do valor de troca, e é a medida do valor de troca com o dinheiro, o qual desempenha a função de mercadoria equivalente geral. Como valor de troca, uma grandeza social, o preço não tem correspondência directa com o valor do custo de produção, uma grandeza física; um preço, contudo, expressa um determinado valor do custo de produção; o valor, portanto, pode ser expresso pelo preço; digamos que o custo tem o seu preço. Embora o trabalho seja a mercadoria universal, e o valor do custo de produção das restantes mercadorias seja o valor do custo de produção do trabalho empregado na sua produção, o preço das restantes mercadorias não corresponde ao preço do trabalho empregado na sua produção; enquanto os preços de umas mercadorias podem representar fielmente os seus valores, o preço da mercadoria trabalho vivo não é representativo do seu valor, porque tem o seu preço depreciado pelo preço apreciado, aumentado do lucro, das mercadorias com que é troca do ou pago.
(continua)

 
Às 11:59 da tarde, dezembro 10, 2009 , Blogger JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

(continuação)

Como são, então, fixados, estabelecidos, os preços? Os preços são estabelecidos a partir dos salários correntes, os preços do trabalho, que por sua vez são fixados por razões históricas da relação de forças entre vendedores e compradores de trabalho vivo, e também por razões culturais e conjunturais, inerentes às oscilações da oferta e da procura, mas correspondendo aos preços dos meios de subsistência que pelo menos assegurem a reprodução da capacidade de produzir trabalho, do trabalhador e da sua família, de modo a garantir a continuidade da produção do trabalho. E o preço das restantes mercadorias é fixado aplicando uma taxa de apropriação ao preço do trabalho empregado na sua produção, que o mercado corrigirá, determinando a taxa de apropriação ou taxa de lucro efectivamente obtida.
É claro que a produção das restantes mercadorias não é realizada apenas com trabalho presente ou vivo, mas também com trabalho passado representado nos meios de produção empregados, cujos preços representam o preço do trabalho vivo e o lucro dos capitais empregados na sua produção. E estes meios de produção podem ter sido produzidos no ciclo ou ter transitado de outro ciclo de reprodução do capital; assim como podem ser produto de múltiplos capitais e, portanto, podem ter originado múltiplos lucros até que sejam empregados na produção dos meios de subsistência vendidos aos trabalhadores. No caso mais simples, é como se o mesmo trabalho empregado nos meios de produção fosse comprado por dois capitais, um dos meios de produção e o outro dos meios de subsistência, originando lucros para estes dois capitais. E embora o lucro do capital vendedor (dos meios de produção) esteja contido no capital comprador (dos meios de subsistência), permitindo distribuí-lo antecipadamente, o certo é existirem dois capitais comprando o mesmo trabalho e obtendo dois lucros. Esta é uma das razões pelas quais os preços são formados pela aplicação da taxa de lucro e não pela aplicação da taxa geral de mais-valia.
O valor da produção social, por exemplo anual, corresponde ao valor da totalidade do trabalho empregado, seja trabalho presente ou trabalho passado (transitado); o seu preço está representado pela totalidade dos capitais empregados e dos lucros obtidos. O valor do custo de produção do trabalho empregado na totalidade da produção social, uma grandeza física, encontra a sua expressão no preço da totalidade da produção, uma grandeza social. E o que se passa a nível social é o resultado do que ocorre a nível de cada capital particular.
Um dos erros do Marx foi considerar que os valores sociais das mercadorias (os seus valores de troca e os seus preços) representavam fielmente os seus valores de custo de produção; pelo menos o preço da mercadoria trabalho vivo não é representativo do seu valor, pois está depreciado em relação aos preços das restantes pelo lucro. Este erro, derivado da aceitação da premissa de que as mercadorias eram trocadas na proporção dos seus valores, a famosa troca equitativa, é o que me parece estar na origem dos restantes, desde a identificação da “força de trabalho” como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, o lucro como sendo mais valor fornecido pela “força de trabalho” para além do seu próprio valor, até à formação dos preços nominais das restantes mercadorias pela aplicação duma taxa de mais-valia, quando ela própria é produto dos preços e não a formadora dos preços.
Não sei se fui suficientemente claro, mas foi o possível a esta hora.
Obrigado pelo seu comentário.
JMC.

 

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