terça-feira, 13 de março de 2007

Alunos: aprendentes ou entretentes?


ALUNOS: APRENDENTES OU ENTRETENTES?


José Manuel Correia


As características mais evidentes do sistema educativo português, ao nível da escolaridade básica, são as elevadas taxas de insucesso, de exclusão e de abandono que produz, concomitantes com a baixa qualidade das aprendizagens dos que têm sucesso. Seja por incapacidade de promover a realização de aprendizagens de qualidade susceptíveis de desenvolverem nos alunos as competências tidas por essenciais, seja pela aplicação de sanções em caso de insucesso — a retenção no mesmo ano de escolaridade e a repetição do mesmo programa como formas de remediação e de recuperação — que acentuam a desmotivação e induzem ao abandono, seja, ainda, por exclusão do sistema pela ultrapassagem da idade limite e da pequena tolerância de prescrição do direito de frequência — direito que termina aos quinze anos de idade, desde que completados antes de 15 de Setembro (habitualmente a data de início do ano lectivo) — o sistema educativo tem-se revelado como altamente ineficaz na realização das funções sociais que lhe estão cometidas.

Embora distinto para os diferentes grupos sociais, o insucesso escolar é generalizado, constante e cumulativo, parecendo, assim, ser um produto objectivo do sistema, o que levou alguém a afirmar que "o insucesso escolar é um sucesso do sistema" (Grácio, 1987). O elevado insucesso parece não estar directamente relacionado com aptidões cognitivas estáveis (e muito menos inatas ou biologicamente determinadas, embora as diferenças individuais sejam uma realidade), não só porque é regredível, mas, principalmente, porque tem carácter relativo (é produzido por um padrão do sucesso do qual uns estão socio-culturalmente mais próximos do que outros). Existe, de facto, uma desigual distância entre a cultura escolar, os objectivos e os métodos de ensinar e a cultura, os objectivos e os métodos de aprender dos diferentes grupos sociais, que não é tida em conta na elaboração dos projectos curriculares e na sua gestão operacional, a qual produz o insucesso de boa parte do público escolar.

Apesar de hoje ser facilmente reconhecível que à instituição escola estão tradicionalmente cometidas funções de reprodução social — regulação e selecção da divisão social e técnica do trabalho através do acesso e mobilidade profissional e social — e de inculcação ideológica ou socialização — difusão e legitimação dos valores dominantes e da estratificação social existente, no fundo, da ordem social estabelecida — tem alguma legitimidade saber se à educação escolar básica, universal, obrigatória e gratuita — que não necessita regular o acesso a si própria, nem a mobilidade no seu interior, porque compulsivamente extensiva a todos, e que não prepara para o ingresso numa profissão definida — deverá estar atribuída a primeira daquelas funções. Neste sentido, tem pertinência questionar a componente do insucesso interna ao sistema — aquela que é gerada pela uniformidade cultural, curricular e organizacional face à diversidade do público heterogéneo que o frequenta, pela indiferença às diferenças dos sujeitos — e o seu uso como instrumento de selecção social.

Está suficientemente reconhecido que os ajustamentos e alternativas didáctico-metodológicas e os avanços da psicologia educacional, se bem que importantes, não resolvem um problema cujas causas multiformes parecem residir mais na natureza, na qualidade e na quantidade dos objectivos, no que se refere à variedade das competências pretendidas e aos níveis de proficiência exigíveis; nos conteúdos, nomeadamente, no que se refere à cultura veiculada e às suas formas de organização e de comunicação e aos códigos linguísticos usados; na relação pedagógica instituída, no que se refere à rede de comunicações interpessoais estabelecidas, à empatia, à valoração de sucessos e de dificuldades e às relações de autoridade estabelecidas; na organização e desenvolvimento do ensino-aprendizagem, nomeadamente, quanto à diferenciação do ritmo e do tipo das actividades de aprendizagem, à cooperação ou individualização da aquisição da aprendizagem; na avaliação das aprendizagens e nas decisões tomadas acerca delas, no que concerne ao modelo, às estratégias, aos instrumentos usados e aos objectivos pretendidos com os tipos de decisões tomadas, assim como à auscultação do aluno quanto às formas como aprende (e o que aprende), como avalia os seus desempenhos e como encara as decisões acerca deles; e, também, nas relações institucionais estabelecidas entre a escola, as famílias e os agentes produtivos e culturais envolventes.

As diferenças entre os frequentadores da escola, por outro lado, não residem apenas nas suas aptidões para aprender o que ela tem para ensinar-lhes da forma como o faz. Desde a introdução da escolarização obrigatória, quer por imposição familiar, quer por imposição administrativa, os sujeitos frequentadores da escola diferenciam-se também pela motivação e por outros comportamentos necessários para a aprendizagem — como, por exemplo, as expectativas de benefício funcional ou de mobilidade social ascendente, a atenção e a participação nas actividades de aprendizagem, o controlo das emoções e a organização do tempo e do esforço — pelo que a escola deixou de acolher um aluno-tipo e passou a receber múltiplos tipos de alunos. Alguns dos frequentadores da escola dificilmente poderiam ser classificados como alunos, tais a desmotivação, a desorganização pessoal, a indisciplina ou a mandriice; parte destes, a escola tentava corrigir pela sanção disciplinar (incluindo o castigo corporal[1]), enquanto ao resto acabava por expulsar, por não educável. De um modo ou de outro, corrigindo ou expulsando, a escola procurava transformar os seus frequentadores em alunos: sujeitos que estão nela para aprender.

A complexificação da vida social e a diversificação das competências que exige dos sujeitos nas relações interpessoais, laborais e institucionais, em grande parte devidas ao aumento do ritmo da inovação tecnológica — que encurta a vida útil dos produtos e dos processos produtivos — e às transformações ocorridas no modelo da empregabilidade — com a entrada mais tardia no mercado, a instabilidade do emprego e a persistência do desemprego de longa duração — vieram a impor a diversificação das competências a adquirir na escola e o prolongamento da escolaridade obrigatória. Longe vão os tempos da escolaridade obrigatória de quatro anos e das competências de saber ler, escrever e contar, que durante tanto tempo caracterizaram a escola obrigatória, e começa a despontar a necessidade de manter todos na escola em vez de expulsá-los. Ampliar e diversificar as competências e procurar que todos as adquiram com níveis de proficiência aceitáveis, isto é, melhorar a qualidade do produto educativo e generalizá-lo, constitui um desafio sem precedentes colocado à escola obrigatória.

Mas ao mesmo tempo que a escola obrigatória procura transformar-se numa escola de inclusão e de qualidade — por outras palavras, numa escola de sucesso — ocorrem também transformações nos seus frequentadores. O desenvolvimento da produção e a expansão do consumo — característicos da sociedade industrial, mas favorecidos por um longo período sem conflitos bélicos mundiais e acentuados desde a década de setenta do século passado pela revolucionarização tecnológica — e a melhoria do nível de vida que têm proporcionado às populações urbanas das formações sociais industrializadas, trouxeram também o apelo constante ao consumo, o fomento do individualismo e do hedonismo, a difusão da informação por novos meios de fácil acesso que criam simulações da realidade que iludem os mais atentos, a fragilização de relações e a subversão de valores sociais que dantes se julgavam sólidos; e a emergência da igualdade social entre os géneros, entre pais e filhos e entre novos e velhos transformou as hierarquias sociais baseadas na autoridade derivada dos laços familiares, do poder físico ou económico e do saber, e tem vindo a moldar novas condutas das crianças e dos adolescentes. Os frequentadores da escola de hoje são produto de tais transformações sociais, e grande parte deles dificilmente se adapta a uma instituição socializadora cujos fundamentos residem na autoridade e a exerce, em último caso, pela coerção, e cujas actividades implicam a motivação, o esforço, o empenhamento e a persistência.

Duas causas que contribuem com uma boa quota-parte para este panorama assustador — insucesso elevado, concomitante com baixa qualidade das aprendizagens escolares — talvez residam em dois factores que já se vão tornando visíveis: primeiro, número crescente dos frequentadores da escola pouco se identifica com o seu frequentador-tipo tradicional — o aluno ou aprendente, aquele que lá está para aprender — e cada vez mais se assemelha a um entretente, aquele que lá vai para se entreter (ou ser entretido) com o que lhe apetecer, quando e do modo que quiser, o que se traduz na negligência e no menosprezo pelas condutas necessárias para a aprendizagem (que não são sinónimo de dificuldades na aprendizagem) e contribui para a improdutividade das actividades de ensino-aprendizagem; segundo, perante níveis de proficiência dos desempenhos bastante baixos, a avaliação das aprendizagens tende a ser pouco rigorosa, em geral contaminada por sobrevalorizações de factores emocionais de afectividade ou de angústia dos professores, e perde fiabilidade.

Uma componente lúdica, de entretenimento e de ocupação dos tempos livres, tem vindo a ser introduzida nas escolas sob a forma de clubes, cujo financiamento tem sido assegurado pela candidatura de projectos locais específicos a programas nacionais com as mais variadas designações e fins, e, também em parte, pela utilização dos centros de recursos multimedia criados nas escolas (supostamente para apoio às actividades de aprendizagem). Não se sabe bem se esta componente lúdica visa contribuir para a correcção das condutas desajustadas dos entretentes e assim transformá-los em aprendentes — proporcionando-lhes actividades mais atractivas e informais do que as inerentes às actividades de aprendizagem estruturada, para lhes incutir o gosto e alguma motivação para as actividades escolares — ou se é apenas um instrumento para a plena ocupação diária das crianças e dos adolescentes perante as dificuldades das famílias em acolhê-los e ocupá-los, devido à elevada taxa do trabalho feminino fora de casa. Como a função de guarda de crianças e de adolescentes interessa à administração e às famílias, nenhuma destas entidades se tem preocupado em questionar a eficácia educativa desta nova função atribuída às escolas.

Outra medida de inclusão dos entretentes na escola foi a criação das chamadas "turmas de currículo alternativo"[2], isto é, grupos de frequentadores da escola com insucesso repetido, com problemas de integração na comunidade, em risco de abandono ou com dificuldades de aprendizagem (tendo aqui o conceito "dificuldades de aprendizagem" uma utilização abusiva, dado que não significa dificuldades resultantes de distúrbios intelectuais ou emocionais, mas condutas não propícias à aprendizagem). Pela estrutura, objectivos e conteúdos destes currículos alternativos, verifica-se que eles constituem variantes de menor qualidade do currículo regular, cuja finalidade principal é manter ocupados os seus frequentadores; pela composição destas turmas, agrupando os entretentes mais indisciplinados e desadaptados, que dantes se encontravam dispersos por várias turmas (qual reprodução das políticas de realojamento concentrado de indigentes, marginais e minorias, ditos desfavorecidos, em bairros sociais que rapidamente se transformam em redes ampliadas de marginalidade e de delinquência), as condutas indisciplinadas generalizadas dificultam em extremo ou impossibilitam o curso normal das actividades de ensino-aprendizagem e a aquisição das competências essenciais mais elementares. Apesar do abaixamento dos níveis de proficiência exigíveis, as taxas de insucesso dos frequentadores destes currículos só não são mais elevadas porque alguns professores preferem camuflar a sua impotência com avaliações de fiabilidade duvidosa.

Os professores, em geral, dispõem de poucos meios para corrigir as condutas displicentes e indisciplinadas[3] dos entretentes, porque mesmo a sua expulsão repetida das aulas é ineficaz perante a filosofia da inclusão, e, saturados ou receosos, tornam-se indiferentes ou complacentes. Num tal contexto, a tolerância para com aquelas condutas (atribuídas muitas vezes à maior irrequietude "natural" das crianças e dos adolescentes de hoje) e a incapacidade física para impor o respeito pelas regras de conduta necessárias ao regular decurso das aulas (que frequentemente se transforma em lamúrias e em receios) — resultantes da maior afectividade que enforma os modos de pensar e de agir femininos e das características físicas da mulher[4], os quais ganham terreno como padrões de comportamento de resolução de conflitos na escola, devido à elevada taxa de feminização do corpo docente — tendem a agravar a incapacidade dos professores (de todos os professores) para conter ou inverter as situações pouco propícias à aprendizagem.

Nos desabafos, tão frequentes em conversas informais, acerca das dificuldades em lidar com a perturbação constante dos climas de aula que tornam improdutivas as actividades de aprendizagem, os professores tendem a culpabilizar as famílias pelas lacunas de competências favorecedoras da aprendizagem e da própria relação interpessoal manifestadas pelos entretentes. Fortalecem essa convicção pelo conhecimento superficial da história familiar que entrevêem nas breves informações contidas nas fichas individuais e pelas apreciações de fugazes encontros (ou ilações que tiram de eventuais desencontros) tidos com familiares (directamente ou relatados pelos directores de turma), mostrando a pertença a famílias fracamente escolarizadas, desorganizadas ou monoparentais, com ou sem dificuldades económicas (visto este não ser já factor distintivo), e com pouco interesse pelas actividades escolares. Esquecem, porém, todo um conjunto de factores que favorecem aqueles ou os substituem, nomeadamente, as dificuldades das famílias na gestão da educação dos filhos num contexto social em acelerado ritmo de mudança de valores e de solicitações, que não conseguem apreender na globalidade, mas as envolve e vai modelando a sua acção, e para cuja função a única formação de que dispõem é a memória da sua própria educação noutro contexto.

Num tal quadro social, não admira que as famílias e a escola tenham vindo a deparar-se com dificuldades crescentes e a entrar em crise no desempenho dos seus papéis tradicionais. O aumento crescente, para níveis alarmantes, do absentismo persistente, do abandono prematuro, da indisciplina e do insucesso, nomeadamente, no último segmento da escolaridade tornado obrigatório (7.º ao 9.º ano – ou 3.º ciclo) e o decréscimo notório dos níveis de proficiência nas competências mais elementares não podem deixar de ser reflexo das múltiplas dificuldades e contradições nas relações cada vez mais complexas entre o aluno, a família, a escola e a sociedade. Se há culpas elas dificilmente poderão ser atribuídas exclusivamente a um destes intervenientes ou equitativamente repartidas por todos; a culpa, por outro lado, não resolve o pecado, pelo que é irrelevante e ineficaz persistir na via da culpabilização; e o novo contexto social persistirá, independentemente da vontade individual ou de grupo, pelo que é tendo em conta as suas características determinantes, integrando as positivas e rejeitando as negativas, que têm de ser definidos os papéis dos actores educativos e as funções da instituição escola que nele terão de existir.

Isto não invalida, antes obriga, a necessidade da tomada de consciência da situação em que se encontra a escola obrigatória e das graves consequências pessoais e sociais que dela resultam, nem a necessidade de conhecê-las melhor, de procurar as causas e de ensaiar hipóteses de resolução. Como não existem sábios iluminados dispondo de soluções milagrosas, para reverter uma tal situação é necessário a participação, o empenhamento e a responsabilização dos intervenientes: políticos, administração, gestores escolares, professores, investigadores e famílias, cada um na sua esfera de atribuições.

Um dilema que a escola obrigatória enfrenta é entre continuar a desempenhar a sua função de instituição vocacionada para o ensino, promotora de actividades organizadas de aprendizagens propiciadoras da aquisição de competências essenciais, ou transformar-se numa instituição de entretenimento e de ocupação das crianças e dos adolescentes. Qualquer um dos rumos implica grandes mudanças na escola que existe, mas seria insensato cair na ilusão de que ela se pode transformar vantajosamente numa instituição mista, porque a componente lúdica acabaria por engolir ou perverter a da aprendizagem.

Há todo um campo inexplorado para a implementação de centros de entretenimento lúdico, cultural e desportivo, diferenciados por níveis etários, geridos pelas autarquias, pelas instituições particulares de solidariedade social ou por associações culturais e desportivas, em articulação ou não com as escolas, cujas actividades fossem fornecidas contra o pagamento de taxas simbólicas ou a prestação de pequenos serviços a essas instituições e associações ou à comunidade, que poderiam contribuir para o desenvolvimento mais equilibrado das crianças e dos adolescentes e para o fortalecimento de sentimentos de pertença e de solidariedade social que sedimentam o exercício da cidadania responsável. A educação para a cidadania através da prática social quotidiana seria talvez mais variada e profícua do que através da sua institucionalização como disciplina ou área curricular, e não deixaria de ter efeitos benéficos nas condutas escolares.

A dinamização social através da participação em redes de instituições de prestação de serviços e de realização de actividades comunitárias constituiria certamente um instrumento de consciencialização e de responsabilização, a todos os níveis das hierarquias sociais, necessário para a transformação dos padrões de qualidade de vida a que as pessoas têm direito e de solidariedade social que têm como dever. Nesse contexto social, a participação dos pais nas actividades escolares dos filhos e na administração das escolas, tão necessária para a transformação da escola que existe, deixaria de ser encarada como fardo e passaria a ser vista como obrigação elementar, e a educação e os seus problemas e dificuldades adquiririam outra relevância social.

Numa sociedade em que as autarquias locais, das Câmaras Municipais às Juntas de Freguesia, existem afastadas dos cidadãos, funcionando como meras instituições burocráticas de cobrança de taxas e de derramas, e cuja actividade principal, da qual colhem o grosso das receitas, é a urbanização de todos os espaços disponíveis e o licenciamento da construção, em promiscuidade sem precedentes com os construtores civis; numa sociedade em que os cidadãos vivem alheados até dos vizinhos mais próximos e menosprezam deveres cívicos elementares, procurando sacar o máximo do Estado — seja pela fuga aos impostos, seja pela mão do subsídio (arte em que se especializaram os dois extremos da sociedade), seja ainda pela corrupção, pelo tráfico de influências ou pelos estratagemas da burla e da trapaça — e na qual o exercício da cidadania se resume ao voto periódico; numa sociedade sem projectos coerentes para o seu desenvolvimento, em que as classes dominantes e os seus políticos se comportam predominantemente como indigentes à cata de fundos europeus e são demagogos exímios, em que o investimento e a produtividade são tão exíguos e em que a fraca competitividade é obtida à custa do salário baixo, a mudança social não é fácil. Como poderão, numa sociedade como a portuguesa, mudar a escola obrigatória e as condutas dos seus frequentadores? Resta saber se a mudança não é necessária ou até urgente.

Se for desejável que a escola obrigatória continue como instituição vocacionada para o ensino ela terá de sofrer grandes mudanças, que a transformem numa nova escola. Esta nova escola terá de se preocupar com a diversificação e a qualidade dos produtos educativos que proporcionar, com o sucesso dos alunos e com a participação das famílias; terá, certamente, de ser uma escola com outra cultura e aberta a outras culturas; com professores dotados de outros poderes de gestão curricular, de autoridade e dispondo de outros recursos e metodologias; com um outro modelo de estrutura curricular e de administração escolar; com uma outra relação com as instituições sociais do seu meio envolvente; e com alunos reconduzidos à sua qualidade de aprendentes. A escola obrigatória não pode continuar, por muito mais tempo, indiferente ao insucesso, ao abandono e à exclusão de parte do público que recebe, assim como à baixa qualidade das aprendizagens que em geral promove, sob pena de estar a contribuir activamente para a desorganização pessoal e social.

Em Portugal, a escola obrigatória ainda não resolveu cabalmente os problemas do elevado insucesso e da baixa qualidade das aprendizagens que produz, em grande medida derivados do currículo único, da indiferenciação e da "manualização" do ensino, e já se vem confrontando com o problema gravíssimo da indisciplina e do desprezo pela aprendizagem estruturada. As lamúrias acerca da má qualidade das aprendizagens escolares (e os falsos remédios do rigor na avaliação, que alguns políticos e comentadores são peritos em prescrever) não resolvem uma situação que é complexa e se agrava; e a ilusão com uma escola inclusiva transformada em guarda de crianças e de adolescentes é um fraco consolo. Urge que a administração pública, os políticos e as famílias se consciencializem e tomem medidas para evitar que a escola se transforme num centro de lazer de analfabetos funcionais.

O drama, que parece condenar-nos, é a classe média governante responsável pelas duas últimas reformas (PPD e PS) ser inepta, tanto para identificar como para solucionar os problemas. Com a agravante de que a fracção que esteve no poleiro nestes seis anos, difusora dum clima social de irresponsabilidade (sob a capa do diálogo e do consenso) e fomentadora da caridade, elaborou agora uma reforma que não identifica os problemas (fala em aprendentes quando na escola temos cada vez mais entretentes), baseada em artifícios imbecis (redução do tempo lectivo para 45 minutos) e em conceitos que ela própria não domina (competências essenciais), que não se mostra preparada para aplicar (basta ver as respostas às dúvidas que lhe são colocadas) e cuja entrega às escolas (através duma pretensa gestão flexível do currículo que nada deixa para flexibilizar a não ser a qualidade) é uma fuga às responsabilidades, passando a batata quente para os professores. Poderemos assistir, impávidos e serenos, a mais este passo para a previsível maior degradação da qualidade da educação?


Almada, 27 de Dezembro de 2001.


NOTAS:

[1] Usado então também como humilhante instrumento de sanção por erros e outros insucessos de aprendizagem, é bom não esquecê-lo.

[2] Lançadas pelo Despacho n.º 22/SEEI/96 [2.ª série], de 19 de Junho, mas antecedidas do PEPT 2000 – Programa de Educação Para Todos no ano 2000, dos TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, de cuja monitorização e avaliação se desconhecem os resultados, e prosseguidas com outras medidas para alunos em diferente situação, como os Cursos de Educação e Formação (lançados pelo Despacho Conjunto ME/MQE n.º 123/97, de 7 de Julho), vulgarizados sob a designação algo bizarra de 9.º ano+1; o Projecto de Gestão Flexível do Currículo (lançado pelo Despacho n.º 4848/97 [2.ª série], de 30 de Julho, actualizado pelo Despacho n.º 9590/99 [2.ª série], de 14 de Maio); e o Programa 15-18 (lançado pelo Despacho n.º 19 971/99 [2.ª série], de 20 de Outubro), mais uma designação engraçada e elucidativa.

[3] Que cada vez mais frequentemente chegam à insolência e, em casos extremos, à violência verbal ou física.

[4] Estas afirmações, destoantes do que eventualmente seria "politicamente correcto", não envolvem qualquer qualificação depreciativa dos modos de pensar e de agir femininos; constituem, tão só, a constatação de que eles são diferentes e se adequam também diferentemente à resolução de conflitos de funções e de autoridade com seres imaturos, egoístas, manipuladores e, por vezes, violentos como são muitos dos entretentes frequentadores da escola.

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