quinta-feira, 19 de abril de 2007

Coitado do Pinóquio! Que mais lhe irá acontecer?


Pinóquio afirmou, na entrevista à RTP, que as duas principais razões que o levaram a optar por transferir-se do Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE) em Engenharia Civil, que frequentava no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), para o curso de licenciatura em Engenharia Civil na Universidade Independente (UnI) foram:

1- que um Diploma de Estudos Superiores Especializados (DESE), conferido pelos CESEs não seria idêntico a um diploma de licenciatura, quer em termos académicos, quer em termos profissionais, porque seria apenas equivalente a um diploma de licenciatura. Tal afirmação é mais do que duvidosa, para não dizer falsa, porque embora os CESEs conferissem DESEs eles conferiam igualmente o grau de licenciado (e não apenas a equivalência), desde que a habilitação anterior fosse com eles coerente, o que era manifestamente o caso (Bacharelato em Engenharia Civil + CESE em Engenharia Civil = grau de licenciado em Engenharia Civil);

2- que a UnI era na altura uma universidade que se localizava próximo do ISEL e prestigiada. Afirmação também mais do que duvidosa, para não dizer falsa, porque a UnI, na época, não se localizava assim tão próximo do ISEL (funcionava noutras instalações, distando vários quilómetros das actuais) e não era uma universidade prestigiada (havia começado a funcionar dois anos antes, o seu curso de licenciatura em Engenharia Civil fora autorizado pelo Ministério da Educação apenas três ou quatro meses antes, em fins de Maio de 1995, e não era reconhecido pela Ordem dos Engenheiros, como ainda hoje não é).

Os jornalistas entrevistadores de Pinóquio prestaram-se a um papel inglório no que ficou claro tratar-se de uma tentativa de branqueamento duma situação escabrosa. Se tivessem feito o devido trabalho de casa, respigando o que de duvidoso e de suspeito viera até então a público, e estivessem cientes de que a sua função é informar, procurando confrontar o protagonista com as contradições das suas explicações, não se ficando pela sua aceitação passiva, dando-lhe assim a cobertura procurada, talvez o embaraço inicial demonstrado por Pinóquio se tivesse transformado em algo de mais sério e as coisas, desde logo, tivessem tomado outro rumo. Mas, poderão eventualmente ter pensado, se os políticos não ousaram comentar o melindroso assunto, alguns deles pensando nos seus rabos de palha e outros nas possíveis consequências políticas da situação, porque haveriam eles, sendo funcionários da casa, de assumir o papel de confrontadores do poder, conhecendo as tentativas de coacção e as ameaças com processos judiciais feitas recentemente? Fosse com base no legítimo temor de eventuais represálias ou como simples serventuários do poder, aqueles jornalistas prestaram um mau serviço aos seus concidadãos e não honraram a profissão que desempenham.

As razões para a transferência (legítima) de Pinóquio do ISEL para a UnI terão sido plausivelmente mais prosaicas. Enquanto aluno do CESE em Engenharia Civil do ISEL, na qualidade de trabalhador-estudante, em horário maioritariamente pós-laboral, no ano lectivo de 1994-95 Pinóquio conseguira aproveitamento em dez das vinte e duas disciplinas curriculares; para completar aquele curso no prazo de dois anos, no ano lectivo seguinte teria de realizar as doze disciplinas restantes. Conhecendo-se o grau de exigência que habitualmente caracteriza o ISEL, uma tal carga disciplinar acarretaria um árduo trabalho para um trabalhador-estudante (trabalhando como político profissional, na qualidade de deputado do PS), cuja actividade se perspectivava ainda mais sobrecarregada (na iminência do PS sair vencedor das eleições legislativas que se aproximavam, como veio a acontecer), fazendo-o correr o risco de não poder completar o referido curso nesse ano (ou de ter de o interromper). Para mal dos seus pecados, lá teria de continuar bacharel (em Engenharia Civil) num mundo de licenciados e de doutores, pecha que decidira ultrapassar desde que ingressara na política, como tentara por diversas vezes usando indevidamente o título profissional de Engenheiro.

Nesta situação, eventualmente influenciado pelo conselheiro e correligionário António José Morais, seu professor no ISEL e, entretanto, de malas aviadas para responsável do curso de licenciatura em Engenharia Civil da UnI, Pinóquio resolveu trocar o CESE no ISEL pelo curso de licenciatura na UnI. Como responsável desse curso, o correligionário professor Morais afirma ter proposto à reitoria um plano de estudos para o candidato: quatro disciplinas, de que ele próprio seria o professor. O Reitor, que ainda não era tal legalmente, mas que o seria de facto (em exercício delegado ou usurpado, resta saber quando o nominal Reitor Ernesto Costa se decidir a falar), afirma ter juntado mais uma (Inglês Técnico), da qual seria ele próprio o professor. Realizar cinco disciplinas, em vez de doze — curiosamente, quatro das quais, precisamente as leccionadas pelo correligionário professor Morais naquela universidade, lhe deveriam ter sido consideradas equivalentes, pela similitude das matérias com outras que já frequentara anteriormente — tornava a conclusão do curso de licenciatura muito mais exequível. Tanto mais exequível quanto o abençoado correligionário professor Morais se tornara, desde Novembro de 1995, assessor do correligionário Armando Vara, Secretário de Estado da Administração Interna no governo de que Pinóquio também passara a ser Secretário de Estado, e, em Março de 1996, o mesmo Morais fora nomeado Director do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna. Um figo, deve ter-lhe chamado Pinóquio. Um doce, julgará depois, se nem nas aulas pôs os pés e se tudo se resolveu num ápice, num quente Verão de 1996. Amargo o travo de tamanho acepipe, reconhecerá hoje.

A história conhecida está recheada de trapalhadas e mais trapalhadas, com violações de disposições legais e regulamentares até dizer chega, tosca de mais para ser verdadeira. A realidade, portanto, pode ser bem mais escabrosa, e a verdade poderá vir a descobrir-se se os responsáveis entretanto botarem a boca no trombone (que poderão temer passado este tempo, com o eventual crime prescrito e se já nada tiverem a perder?). Tendo confiado no vendedor do curso, Pinóquio confiou de mais. A facilidade fora tal que nem ele já se lembrava de nada. Perguntem ao Reitor Arouca, disse. Não sonhou que a inépcia do trapalhão vendedor chegasse ao ponto de nem lhe ter arranjado um processo individual de aluno como deve ser, capaz de o colocar acima de qualquer suspeita, com boletim de matrícula devidamente preenchido e datado, com pautas de exames regularmente preenchidas e assinadas, com certificados de habilitações sem discrepâncias, etc. Ao fim destes anos, quando tudo parecia ter corrido sobre rodas, Pinóquio acaba por ver-se apanhado de calças na mão, como se costuma dizer. Coitado do Pinóquio, o que lhe havia de acontecer! Resta saber o que mais estará para acontecer-lhe.

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