terça-feira, 10 de abril de 2007

A lei da rolha?


Muita gente ficou incomodada com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que condenou o jornal Público ao pagamento de indemnização de elevado montante a um clube de futebol por divulgar que este devia avultada quantia ao fisco.

O acórdão, salvo opinião melhor fundada, mais não fez do que aplicar o artigo 484.º do Código Civil que nos rege, que refere que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.

Factos são “actos feitos”; pseudo factos são coisa diferente. Quem afirma ou difunde factos, noticia actos verdadeiros, porque feitos. O citado artigo, porém, não trata da veracidade dos factos afirmados ou difundidos, ou dos efeitos que os simples factos produzam no crédito ou no bom nome; trata dos efeitos que a sua afirmação e difusão acarretam para o crédito ou o bom nome de quem os praticou.

Embora determinados factos, só por si, abalem o crédito e o bom nome de quem os praticou, não restam dúvidas de que a sua divulgação amplia aqueles efeitos, abalando muito mais o crédito e o bom nome. Parece, portanto, que o citado artigo do Código Civil pretende impedir que se saiba a prática de determinados factos…

A alarvidade do artigo é tal que se levado à letra faria com que um qualquer condenado por factos capazes de lhe prejudicarem o crédito ou o bom nome poderia reclamar indemnização de quem os divulgasse. Este é mais um exemplo da incompetência dos legisladores e dos técnicos que redigem os códigos, e também da conivência para com ela dos juízes que os aplicam. Infelizmente, desta crua realidade não se safam os mensageiros dos factos!

Se isto foi o resultado da divulgação de uma dívida de um clube de futebol ao fisco, imagine-se o que poderá resultar da divulgação dos factos relacionados com a obtenção de uma determinada licenciatura ou com a pedofilia do caso Casa Pia...

A coisa é grave, e ainda agora a procissão vai no adro. Por isso, em vez de clamarmos contra o acórdão do STJ, devíamos indignarmo-nos com essa autêntica "lei da rolha" que constitui a redacção do artigo 484.º do Código Civil. É que qualquer dia já nem se poderá gritar contra quem nos rouba: “agarra que é ladrão”!

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