Greve e serviços mínimos
A greve é um direito constitucional dos trabalhadores. A cessação da prestação do trabalho por greve acarreta prejuízos e incómodos vários. Sempre assim foi. Nas sociedades modernas, os prejuízos tendem a ser minimizados, enquanto os incómodos não há maneira de o serem e tendem mesmo a crescer como custo da modernidade do trabalho assalariado.
Decidiram os governos — da direita e da esquerda direita — no emaranhado de regras que é o chamado Código do Trabalho impor a definição de serviços mínimos a assegurar em caso de greve. Dizem que tal não se destina a reduzir prejuízos, mas a minimizar incómodos. Tudo bem, desde que se limitem aos incómodos mais incómodos.
Para o caso das partes não se entenderem na fixação desses serviços mínimos redutores de incómodos cabe a uma comissão arbitral fixá-los. Para além de um árbitro de cada parte — um dos trabalhadores e outro dos patrões — o terceiro árbitro… é designado pelo Governo.
Nem o “fascista” do Marcelo Caetano, no início do seu Estado Social, se lembrou da artimanha, pois que o terceiro árbitro das comissões arbitrais previstas para dirimirem conflitos na negociação colectiva de trabalho era nomeado pelos árbitros das partes. Passada a "primavera marcelista", veio o arrependimento, e o terceiro árbitro passou a ser nomeado pelo Governo. A inspiração actual veio deste marcelismo corporativo.
Apesar de reconhecer o direito de greve, o regime democrata em que vivemos não gosta mesmo nada dessa coisa da greve. Não pelos prejuízos que causa, dizem, mas pelos malfadados incómodos que acarreta. E também não gosta de deixar às partes a resolução dos conflitos — no caso, a fixação dos incómodos a evitar — e vá de impor a intervenção do Governo como parte interessada.
No corporativismo fascista, o Estado arrogava-se o direito de se substituir às partes na regulação do “bem comum”. Na democracia em que vivemos, o Estado arroga-se o direito de se juntar às partes na definição do “bem-estar geral”. Sendo o Estado representante de quem é, o desempate pende sempre para um dos pratos da balança. Muda o verniz, o efeito é o mesmo.
Reconhecendo direitos nominalmente, mas procurando esvaziá-los na prática, este Estado demonstra um horror inusitado ao conflito, negando às partes a capacidade de resolvê-lo. Desconhecerão estes democratas que o conflito social é o motor das sociedades e que o seu reconhecimento é uma das bases da democracia? Certamente não.
Então, que receiam estes democratas? Estará a democracia assim tão fraca que necessite travestir-se com autoritarismo? Serão os actuais democratas meros travestis? Bem, com a feira de enganos que por aí vai, já nada admira. Muito me engano ou parece que já andámos mais longe do corporativismo fascista!
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