terça-feira, 31 de julho de 2007

Bergman: o cinema que não aprecio

Desde há anos me venho interrogando sobre o facto de não gostar do cinema de Ingmar Bergman. Com a notícia da sua morte, assomou uma vez mais à lembrança a velha interrogação. Não é certamente pela aspereza da língua, pelo uso da metáfora quase incompreensível, pelos temas eivados de introspecção, pelo ritmo ou pela encenação teatralizada, muito menos pelo carácter do realizador. O acentuado contraste entre a minha indiferença e a euforia encomiástica manifestada por alguns fez-me ir aceitando passivamente tal se dever ao meu fraco gosto e pouco apurado sentido estético. A ponto de nunca ter tido paciência para rever até final um filme de Bergman, ainda que tenha visto diversos. Há cinema para todos os gostos. Para apreciar o de Bergman, ou o de Oliveira, o gosto não me calhou em sorte.

Com John Ford acontecia precisamente o oposto. Não raro, a minha paixão por muitas fitas do Ford, algumas delas crismadas depreciativamente de cowboyadas, se chocava com a indiferença ou o desprezo que outros lhes manifestavam. O snobismo intelectual levava-os a detestarem a simplicidade da narrativa fordiana, apesar da densidade de algumas das suas obras-primas, e o progressismo marxista impedia-os de louvarem um conservador assumido. Daí a admiração pela profundidade e pela "complexidade" do Bergman, em cujas metáforas imaginavam conotações inexistentes. Mas que Bergmans valem As vinhas da ira, O homem que matou Liberty Valance, O vale era verde ou O homem tranquilo de Ford? Ou que valem um Elia Kazan, o antigo emigrante a quem a falta de verticalidade perante a Comissão das Actividades Anti-americanas não fora perdoada e o tornara proscrito, mas que Há lodo no cais redime de todos os pecados? E que suecas valem Maureen O'Hara, o mais belo olhar da história do cinema?

Por excelente que seja a obra de Bergman, por muito que tenha marcado a geração do cinema novo ou que entusiasme os apreciadores, o meu mundo cinéfilo dispensa-a. Gravita em torno das obras (com pelo menos três fitas excepcionais) de Charlie Chaplin, de John Ford, de Roberto Rossellini, de Vittorio de Sica, de Luchino Visconti, de Orson Welles, de David Lean, de Jacques Tati, de Alfred Hitchcock, de Akira Kurosawa, de Stanley Kubrick, de François Truffaut, de Francis Ford Coppola, de Martin Scorsese, de Bernardo Bertolucci, de Oliver Stone, de Clint Eastwood, de Steven Spielberg e de um ou outro filme de mais uns bons punhados de realizadores que não chegam a ter obra. São deles as fitas que não me canso de rever e que fazem não me lembrar das de Bergman.

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