quarta-feira, 18 de julho de 2007

A crise da democracia de partidos começa pela crise da democracia nos partidos


Os problemas da Câmara Municipal de Lisboa são conhecidos de todo o país. O executivo camarário da coligação PPD-CDS desbaratou a legitimidade política de que dispunha, deixando-se enredar numa teia de negócios pouco claros, de benesses incompreensíveis e de empregos de favor para as clientelas partidárias, e acabou sem quaisquer condições para continuar o mandato. Carmona Rodrigues não mostrou a capacidade de liderança necessária para governar a nau em tamanha tormenta, e Marques Mendes não se apercebeu da importância política que representava a gestão da Câmara da capital do país. Carmona não se convenceu de que os eleitores votaram no PPD e não nele; e a Mendes faltou a capacidade para lho lembrar em tempo oportuno. O folhetim que se seguiu foi pouco edificante para ambos, e a queda do executivo camarário fundada na indiciação judicial de alguns vereadores ilustra bem quanto a sensatez política andou arredada da decisão.

Não admira que o PPD tenha saído penalizado da eleição, independentemente do demérito do candidato, pouco fadado para tais andanças, e que Carmona, vitimizado, tenha colhido os louros duma gestão baseada na simpatia pessoal, com uma votação que ultrapassa a esperada do funcionalismo afecto e dos seus familiares e amigos. Do CDS é quase escusado falar. A vereadora, pertencente à facção derrotada na disputa pela liderança interna, andou fazendo a sua política, desfez a coligação por sua auto-recreação, e aquele partido só poderia sair penalizado, por melhor que fosse o candidato. No PS compreenderam que depois das trapalhadas e do abandono do Carrilho teriam de apostar forte para poderem aproveitar a oportunidade que lhes caíra do céu. António Costa já tinha imagem, e pela posição de número dois do executivo dava o sinal necessário do empenho e da importância da eleição camarária. Depois, correndo tudo como esperado, ficaria noutro circuito nos próximos seis anos. Um Pereira bem mandado, sacrificando a reputação, obedeceu prontamente logo que chamado, e um executivo incompetente e fraco, agora ainda mais fragilizado, pode bem aguentar o período de acalmia que se segue enquanto não ocorre a remodelação pós-presidência europeia.

Com excepção do PPD e do CDS, todos os outros concorrentes maiores afirmam ter ganho com as eleições. Apesar duns inexpressivos 29,5% e seis mandatos, apenas mais um do que na eleição anterior, quando esperava a maioria absoluta dos nove mandatos, o PS afirma a sua maior vitória eleitoral, sozinho, nos últimos 31 anos. O PCP e o BE, mantendo o mesmo número de vereadores, também se afirmam ganhadores. Os candidatos independentes, ou, melhor dito, os candidatos anti-partidos em que se integravam, Carmona e Roseta, com 3 e 2 vereadores eleitos, ganhadores foram. Ganharam, de facto, uns contra os seus adversários. E parece que todos ganharam contra os 64% que se alhearam da disputa eleitoral e constituíram o partido informal dos abstencionistas e dos votantes em branco. Os grandes perdedores acabarão por ser todos os lisboetas. Um executivo sem maioria, preso aos acordos de ocasião com o adversário menos incómodo, e com a previsível hostilidade da Assembleia Municipal, irá tomar apenas as medidas mais prementes e consensuais, sem atacar os problemas de fundo da cidade e do concelho, numa espécie de gestão corrente preparatória do fortalecimento das hipóteses para a próxima eleição. Apesar da cobertura governamental, que não faltará, e do dinheiro que irá jorrar durante os próximos dois anos, com os custos que daí advirão para o erário público. Como no país, a grande aposta será no marketing, para dar a ilusão de que algo vai mudando para melhor.

Quando falha a política surgem os imbróglios. Assim aconteceu na principal Câmara do país. Os eleitores optaram por mandar um recado aos políticos, suficientemente claro para não poder passar despercebido. Descontem-se os 10% de eleitores inexistentes; tirem-se outros tantos envelhecidos e menos motivados e ainda outros tantos de jovens despreocupados; juntem-se ao resto alguns milhares que protestaram votando nos independentes ou desavindos, e aí está uma expressiva maioria de descontentes. Urbanos, esclarecidos e informados o bastante para darem significado à sua ausência. A democracia representativa não se constrói nem pratica sem partidos, pese a perigosa ingenuidade dos condutores de movimentos informais de cidadãos. Eles servem para representar grupos de interesses e correntes de opinião legítimos nas sociedades democráticas pluralistas. Não devem existir para representar os interesses das suas burocracias e das clientelas que neles se acobertam para ocuparem os aparelhos do Estado. Não há democracia que resista sem partidos políticos que acolham e expressem com clareza os interesses e as opiniões da sociedade civil, e aos quais ela possa responsabilizar pelo voto que lhes concedeu. Os partidos têm de ser a expressão dos interesses e das correntes de opinião que dizem representar. Não podem ser simples joguetes dos seus Césares e pequenos tiranetes. A crise da democracia de partidos começa pela crise da democracia nos partidos.

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