sábado, 5 de julho de 2008

O apoio do PCP às FARC: até onde irá o ridículo?


A história da libertação de Ingrid Betancourt e de mais uns quantos sequestrados, incluindo militares colombianos, está muito mal contada. Salta à vista que se tratou de uma encenação para encobrir o pagamento de grossas maquias, em dinheiro e noutras moedas de troca, envolvidas na operação. Apesar do folclore, congratulemo-nos pela libertação de sequestrados civis, capturados por um grupo terrorista que parece usar de todos os expedientes para se ir mantendo activo.

Sobressaem algumas interrogações. Será um tal grupo, dito guerrilheiro, uma força militarizada de inspiração marxista ou marxista-leninista? Poderá um tal qualificativo ser-lhe atribuído apenas porque afirma disputar o poder pela luta armada? Critério insuficiente. Para o marxismo-leninismo, e não só, em muitas situações a luta armada é uma via legítima para a conquista do poder. Mas não consta dos manuais que o rapto e o sequestro de civis façam parte da luta armada. Poderá um grupo que se financia pela cobrança de impostos revolucionários ao campesinato nas zonas onde actua, pelas receitas chorudas dos negócios da cocaína e pelos proventos das extorsões que obtém com os resgates dos civis que rapta e sequestra merecer qualificativo diferente de grupo de bandoleiros armados?

Dizem-nos que a pretensa actividade guerrilheira do grupo pela conquista do poder político dura há mais de quarenta anos. Tempo demasiado para tão fracos resultados. Qual a credibilidade de um grupo que em tanto tempo de luta e com tais recursos financeiros ainda não conseguiu conquistar a simpatia e o apoio populares suficientes para desencadear acções militares que pudessem pôr em causa o poder da oligarquia dominante? Não seria de questionar uma táctica tão desastrosa? Que marxismo ou marxismo-leninismo resistiria a tais métodos de luta e a tácticas tão infrutíferas?

E, depois, sobrevém o mais absurdo. Que leva o PCP, que nunca foi um partido revolucionário, que sempre fugiu da revolução como o diabo foge da cruz, que atrelado ao domínio da burguesia liberal (que transportou para o seu interior) não ultrapassou, como política própria, a fase dum difuso “levantamento nacional”, a manifestar apoio a um tal grupo e aos métodos que utiliza? Não deixa de ser intrigante. Apesar das razões, certamente ponderosas, para semelhante mistério, não haverá, naquela direcção, uma alma caridosa que faça ver a contradição entre as concepções e os métodos do PCP e as concepções e os métodos das FARC? Não haverá ninguém, neste PCP, com discernimento para dizer basta?

Dantes, perante a indigência intelectual que sempre caracterizou o PCP, compreendia-se a reverência para com as concepções ultra oportunistas do Fogaça ou para com a sua “correcção” pequeno-burguesa feita pelo Cunhal. Agora, que o Cunhal se foi, que até o “levantamento nacional” foi jogado às urtigas e, em seu lugar, foi declaradamente adoptada a transição para o socialismo através da reforma do capitalismo, será que restou apenas a tradicional indigência? Ninguém se apercebeu de que o ridículo pode matar? Ou estará mesmo tudo doido? Dum partido que utiliza, repetidamente, a greve geral como meio de protesto, já tudo há a esperar.

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Adenda (20.07.2008)

Militantes e simpatizantes do PCP têm-se mostrado afadigados, na blogosfera, a glosar o aparente bom estado de saúde da sequestrada pelas FARC Ingrid Betancourt, que contrastaria com o perigo de vida que correria invocado nas campanhas pela sua libertação. O contraste é notório, felizmente. Mas o facto é acessório. Uma raptada e sequestrada em bom estado de saúde continua sendo uma raptada e sequestrada. E o alardeado mau estado de saúde da raptada e sequestrada, usado nas campanhas, pode muito bem nem ser sinal de manipulação, mas de falta da informação que os raptores e sequestradores não forneceram, o que só jogou em seu desfavor. Já não é acessório o estatuto de "prisioneira" que o PCP lhe atribuiu. Como toda a gente sabe, a deputada Ingrid Betancourt fora raptada e mantida sequestrada pelo grupo bandoleiro, que a pretendia usar como moeda de troca para o resgate de membros seus aprisionados em combate pelo exército da oligarquia, não é uma militar que tivesse sido feita prisioneira pelas FARC em combate. Ou é? A cegueira parece ser de tal ordem que leva aqueles militantes e a direcção do PCP a não distinguirem o óbvio e a confundirem o inconfundível.

Os mesmos militantes e simpatizantes blogueiros, ou outros, têm também manifestado a sua indignação contra a ausência de denúncia dos assassinatos de sindicalistas e de políticos comunistas cometidos pela polícia ou por grupos paramilitares, que tomam por falta de crítica da oligarquia e de solidariedade para com as vítimas e as suas famílias. Mais uma vez, erram o alvo. Fora os ingénuos, os reaccionários e os apoiantes do imperialismo americano, ninguém passa qualquer certificado de democrata à oligarquia dominante e ao seu regime, tão ligados ao tráfico de droga e ao terrorismo como as FARC. Se é louvável lembrarem esses crimes, a lembrança é um tudo nada despropositada e fora do lugar, porque os assassinados, que se saiba, não são membros das FARC. Trata-se, é claro, da velha táctica do relativismo: que são raptos e sequestros comparados com assassinatos? Que importa que nós sejamos maus se os nossos inimigos são ainda piores? Mas é suposto "nós" sermos maus ou sermos bons?

Contrapor os assassinados pela oligarquia aos sequestrados pelas FARC, além do mais, é contraproducente para os seus intentos, porque torna mais evidente quão próximos são os métodos da oligarquia proto-fascista e os do grupo de bandoleiros armados designado por FARC. E se é suposto uma oligarquia terrorista recorrer a métodos abomináveis, não é suposto, nem admissível, um grupo que pretende ser levado a sério como grupo guerrilheiro e ser aceite como exército comunista marxista-leninista usar métodos de luta rejeitados por todas as pessoas, independentemente da sua ideologia política, como são o rapto e o sequestro de civis. Ou é? Não está sequer em causa qualquer exigência do abandono da luta armada, que na situação concreta pode ser legítima, ainda que granjeando fraquíssimo apoio. Está em causa apenas saber se o rapto e o sequestro de civis pertencem ao rol dos métodos da luta armada.

Aqueles militantes e simpatizantes blogueiros, ou outros, e a direcção do PCP, contudo, ainda não responderam a uma questão simples: que leva o PCP, que apesar de se intitular partido comunista nunca foi um partido revolucionário, o que não passou despercebido a ninguém, num país em que até a burguesia era reviralhista e volta e meia desencadeava uma revolta armada contra o fascismo salazarista, e em que os próprios fascistas dissidentes quiseram fazer golpes de Estado (caso do arqui reaccionário Botelho Moniz) ou permanentemente sonhavam com acções armadas para derrubar o fascismo (caso do Delgado), e que para calar as bocas ao Mundo e contentar os mais desanimados a contragosto lá deu alguma corda para que um ou outro militante arranjasse uns compinchas aventureiros para juntos colocarem umas bombas e fazerem umas sabotagens, sem comprometerem directamente o partido, o que leva um tal partido, dizia, a apoiar um grupo dito revolucionário e que até usa a luta armada para a conquista do poder? Mistério.

E, nem a propósito: a revolução democrática e nacional rumo ao socialismo continua ou já se cumpriu? Se já se cumpriu, o pessoal não deu por termos chegado ao socialismo. Ou o socialismo a que essa tão glosada revolução pretendia chegar era apenas aquele da proclamação do preâmbulo da constituição da República? Se não se extinguiu e continua, como pretende o PCP passar da democracia avançada neste limiar do século XXI e rumar para a democracia socialista? Parlamentarizando, protestando com manifestações e greves gerais das amplas massas ou pela luta armada? Comecem mas é a comprar armas, porque entre 100 000 militantes, descontando as mulheres, os velhos trôpegos e os cobardolas, sempre arranjam uns 50 000 que armados dão a volta a isto, cumprem finalmente a profecia e salvam a face do partido, confirmando que o PCP ainda é o partido revolucionário que apregoa, fiel ao marxismo-leninismo e que luta por implantar o comunismo.

Mas não esperem pelo limiar do século XXII. Nessa altura poderá ser tarde e não restarem militantes suficientes. Mesmo sendo agora o exército constituído por meia dúzia de gatos-pingados profissionais, dos quais dois ou três estão fora, em missões humanitárias, para a insurreição ter sucesso garantido nada melhor do que uma boa superioridade numérica. Não se esqueçam: comecem por encomendar às FARC um pequeno arsenal, a entregar quando vierem à próxima Festa do Avante. E se acaso as FARC não forem convidadas, como denodadamente o reafirmam, não faz mal. Peçam-lhes que enviem pelos habituais portadores, aqueles que têm trazido as t-shirts e as outras bugigangas evocativas. Que diacho, para alguma coisa hão-de servir os amigos!


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