sexta-feira, 1 de junho de 2018

Os comunistas e a eutanásia ou morte a pedido: a velha questão da liberdade

Sobre o aborto, a questão central girava em torno do estatuto jurídico do ser em gestação cuja vida era interrompida. A descriminalização do acto e a despenalização dos praticantes (a gestante e o técnico) que interrompiam a vida de um ser cujo desenvolvimento originaria um ser humano podia chocar com concepções religiosas e filosóficas sobre o ser, embora muitos tentassem tornear aquela questão central e conduzir o debate para o atributo divino da vida, que por esse facto vedaria a quem quer que fosse pôr-lhe termo.

Sobre a eutanásia ou morte a pedido, a questão central gira em torno de pôr termo à própria vida quando ela, por doença terminal, já não tem dignidade e perdeu todo o significado. A fragilidade da pessoa nesta situação impede ou dificulta-lhe o suicídio, daí que necessite de ajuda para o cometer ou, sem coragem para o fazer, pretenda recorrer a outros para lhe infligirem a morte. A descriminalização do acto visa a despenalização dos praticantes (os técnicos) que interrompem a vida de um ser a seu pedido explícito, sem margem para dúvida.

Não está em causa a vida de qualquer outro ser senão a da pessoa para quem a vida perdeu todo o significado e já não merece ser vivida. Também não está em causa o sofrimento próprio e o dos entes queridos que a morte e o período que a antecede sempre acarretam. Está em causa, pura e simplesmente, a liberdade de avaliar a dignidade da sua própria vida quando já nenhuma recuperação há a esperar e o direito de decidir a sua própria morte.

Que tem isto a ver com a morte de pessoas incapazes de formularem uma opinião sobre a dignidade da sua vida ou de exprimirem o desejo explícito de as ajudarem a suicidarem-se ou a lhes provocarem a morte ou com os cuidados paliativos de qualidade que o Estado deverá assegurar para todos de modo a minorar-lhes o sofrimento? Os cuidados paliativos, aliviando embora o sofrimento, acaso restituem a dignidade e o significado à vida de quem acha que ela já não tem? Tem alguém, ou a sociedade, o direito de decidir isso pelo próprio?

A questão, pois, reside na liberdade de decidir sobre a sua própria vida. Não admira, portanto, que numa questão de liberdade individual os comunistas tenham decidido votar contra os projectos de lei sobre a descriminalização e a despenalização da eutanásia ou morte a pedido em situações terminais. Campeões da liberdade de boca, que mais não é do que a sua liberdade para cercearem a liberdade dos outros, os comunistas terem assim decidido não surpreende.

Mas poderiam, talvez, ter arranjado uma argumentação menos falaciosa e com alguma ponta por onde se lhe pegasse. Invocar perigos da violação da futura lei, ou uma eventual inconstitucionalidade (pelo direito da inviolabilidade da vida humana, direito inaplicável quando o violador é o próprio ou, na situação em causa, outrem a seu pedido) ou, ainda, uma esperança infundada na capacidade futura das técnicas para eliminarem o sofrimento não passa de sofisma para negar o direito de cada um dispor de si próprio, no limite, da sua vida.

O trágico é pensarem que o capitalismo pretende eliminar os velhos, para aliviar despesas, como dantes pensavam do comunismo as massas incultas arregimentadas pela padralhada. Se os pensadores e ideólogos do PCP estão ao nível de um Jorge Cordeiro, de um José Manuel Jara ou de um António Filipe é caso para dizer que a coisa ali está preta. Sem contar com esse sagacíssimo e profundíssimo ideólogo que é o Albano Nunes!

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