segunda-feira, 8 de julho de 2019

O carteiro toca sempre duas vezes… e continua a andar a pé

Há uns anos, residia eu numa urbanização dos arrabaldes de uma histórica estância termal de uma das Beiras, enquanto fumava à varanda via uma carteira, rapariga ainda jovem, distribuindo o correio quase em passo de corrida. Interrogava-me se seria questão de idiossincrasia e da muita energia proporcionada pela sua pujante juventude, evidenciada pelo rosado das faces destacando-se na alvura do rosto. Quando se proporcionou a entrega domiciliária de correio registado aproveitei para desfazer o mistério.

Era solicitadora, mas esse trabalho independente escasseava e tivera de jogar mão do que lhe aparecera, no caso, carteira a título precário, contou-me. O “giro” era grande e para fazê-lo tinha de andar sempre apressada; se deixasse correspondência por entregar, de um dia para o outro, até aquele emprego de magros proventos poderia perder. O namorado estava emigrado na Suíça ou no Luxemburgo (não recordo ao certo), e emigrar começava a colocar-se como alternativa também para ela. Eram os CTT-Correios de Portugal empresa pública que dava lucro.

Passados dez anos, lamentável fumador inveterado, enquanto mato o vício à varanda de vez em quando vejo os dois carteiros que fazem os “giros” confinantes na rua em que resido subindo ou descendo a íngreme ladeira de acesso. Eles e elas não andam em passo de corrida, como acontecia com a moçoila das Beiras, mas continuam andando a “toque de caixa”, com um grosso maço de cartas numa das mãos e com a outra puxando o carrinho que substituiu a antiga grande mala de couro da correspondência.

Na cidade da minha juventude havia duas distribuições diárias da correspondência. A da tarde, de menor quantidade, já nesse tempo era efectuada por carteiro de motorizada, como acontecia com a distribuição pelas aldeias dispersas. Mais de cinquenta anos depois, não deixa de surpreender-me ver os carteiros citadinos continuando a andar a pé. Com a evolução dos veículos motorizados individuais, tal só é compreensível porque os baixos salários e a precariedade ainda compensam: os trabalhadores custam menos e são mais facilmente descartáveis.

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