quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A lição: a guerra infinita não pode ser realizada por ocupação nem por procuração


Parece ter sido isto que o imperialismo norte-americano aprendeu. Resta-lhe prosseguir a guerra infinita por forças próprias, públicas ou privadas, de intervenção rápida no local ou à distância, em qualquer sítio onde for necessária, contra um inimigo arranjado. Sai muito mais barato e tem muito menos riscos. Para isso, nada melhor do que a ressurreição, sob múltiplas capas, da velha Al Qaeda, a base sem base local definida. O Taliban, que lhe daria guarida no Afeganistão, já cumpriu o seu papel para a justificação da invasão e a ocupação daquele país, tal como o Daesh ou Isis o fez para a intervenção na Síria visando o derrube do Governo legítimo. Agora, foi inventado o Isis-K. Não tardarão a surgir outros, com nomes convenientes, necessários para legitimarem intervenções onde quer que seja, sob que pretexto for. O Estado terrorista não irá esmorecer na sua cruzada de "luta contra o terrorismo" dos outros, ambos bem reais e que se alimentam mutuamente, para defender os interesses geo-estratégicos americanos.

Pobres de espírito, tão manipulados quanto os outros, diferindo apenas nos meios utilizados, os pacóvios de lá e os dos seus aliados não compreendem os interesses por que se movem as classes dominantes dos seus países, e repudiam até as denúncias do maquiavelismo a que correspondem, que por tão iníquo lhes parece de todo inverosímil, tornando-se seus cúmplices. Como poderiam eles compreender a reacção dos humilhados e ofendidos sujeitos à crítica permanente das suas crenças e dos valores e concepções do mundo e da vida em que se fundam, que permitiram a existência e a consolidação das suas sociedades tribais pré-industriais que são alvo da agressão militar para a rapina das suas riquezas naturais ou para a sua ocupação estratégica? É fora de portas, os seus efeitos passam-lhes ao lado, e horrorizam-se apenas com os actos tresloucados que fanáticos do Islão movidos pela indignação, pelo desespero, pelo ressentimento e pelo ódio levam a cabo nos seus países cosmopolitas, engolindo depois a propaganda mais rasteira que lhes oferecem como legitimação.

O Islão é uma ideologia religiosa que pouco difere das grandes religiões sagradas monoteístas das sociedades do Médio Oriente. Se continua uma religião patriarcal, se é mais intolerante com os infiéis e defensora mais ciosa dos parcos meios de produção dos seus seguidores — incluindo as suas fêmeas, as mulheres, tentando contrariar os instintos sensuais, sedutores, libidinosos e promíscuos que lhes favorecem o sucesso reprodutivo, adquiridos por selecção natural de dezenas de milhares de anos, recusando-lhes direitos elementares e impondo-lhes códigos de conduta pública humilhantes, que se foi tornando mais notório nas tribos de nómadas e de regiões montanhosas inóspitas, isoladas do convívio com povos de outras culturas e economias — ela integra muito do bom que as antecessoras fixaram como códigos de conduta individual. Comparando-a com as caricaturas hipócritas em que o capitalismo e a ideologia burguesa as transformaram, mais visíveis na actual fase da evolução social de transição para o ciencialismo gestorial, apesar dos seus defeitos ela também constitui uma religião mais genuína e virtuosa.

A ideologia religiosa islâmica deverá ser entendida no contexto das sociedades tributárias pré-capitalistas, autocráticas e despóticas, tornada incompatível com as necessidades das sociedades burguesas modernas, democrático-representativas, cosmopolitas, agnósticas, industriais, sem valores morais — ou, melhor, com valores dominantes que se restringem à trapaça e à vigarice, usados impunemente na ganância pela busca do lucro a qualquer preço e à manipulação embrutecedora pelos meios mais sofisticados — que dêem coesão à cidadania e que contribuam para a realização da aspiração humana à felicidade. O que as distingue assim de tão essencial e progressista? A limitada democracia-burguesa e a informação, a ciência e a tecnologia colocadas quase exclusivamente ao serviço da maximização do lucro? A tão propalada liberdade, que de tão restrita não passa de mera ilusão legitimadora da sociedade totalitária que procuram por todos os meios implantar? E como dar combate ao fundamentalismo islâmico? Pela luta ideológica e política ou pela agressão militar e o uso do terror?

Falta-nos pensarmos um pouco melhor, para não sermos também pacóvios.


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