segunda-feira, 7 de março de 2022

O oportunismo ao rubro de verde vestido (XIII). O PCP perdido no labirinto das suas contradições.


Em trinta anos, o PCP não digeriu a desintegração da URSS nem compreendeu que o marxismo-leninismo constitui o maior logro ideológico e político dos últimos cem anos e que o comunismo implodiu pela sua própria ineficácia. Não pôde, por isso, reconhecer que o comunismo não passou de um regime de capitalismo de Estado e que a URSS se transformou numa potência capitalista e, na medida das suas possibilidades, numa potência imperialista. Compreende-se que seja difícil para os crentes na mitologia marxista-leninista aceitar esta crua realidade.

E ainda não compreendeu que o principal inimigo dos trabalhadores não é o imperialismo americano, mas o capitalismo (privado ou de Estado) existente em cada país. O imperialismo americano, como qualquer outro, é, antes de mais, um inimigo dos povos, e nesta medida também um inimigo dos trabalhadores que os integram. A luta entre países, entre fracções nacionais dos capitalistas, não pode ser confundida com a luta de classes, a luta dos capitalistas contra os trabalhadores. Isto é elementar.

Assim como não compreendeu coisas mais prosaicas, como o papel que tem desempenhado com a sua desastrada política de aliança com a “social-democracia” centrista que executa a política de direita ao serviço do capital, que tem contribuído para o agravamento das condições de vida dos trabalhadores, ao contrário do que tem afirmado, e para o declínio da sua influência social e da sua expressividade eleitoral, que até poderá pôr em risco a sua existência. Não ter reflectido sobre a sua "linha política de direita" é também grave.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia é uma guerra de agressão, apesar dos formalismos e dos pretextos ao abrigo dos quais foi desencadeada e das razões que possam assistir ao agressor, que por muito ponderosas apenas lhe poderão atenuar a culpa. E é uma guerra motivada pelas disputas entre potências capitalistas, entre uma potência imperialista decadente e a potência imperialista dominante, de cujos efeitos sofrem os povos. Não há como escapar disto. O subterfúgio de estar contra esta guerra sem a qualificar, além de escusado e estúpido é perigoso.

Os argumentos invocados pela Federação Russa para justificar o que denomina de “Operação Especial” na Ucrânia não têm ponta por onde se lhes pegue. Se as auto-proclamadas Repúblicas Populares da região de Donbass são Estados independentes, como as reconheceu a Federação Russa, mesmo a esta luz de mais do que duvidosa legalidade a intervenção russa apenas seria legítima circunscrevendo-se à defesa daquelas Repúblicas. O que se passa, porém, vai muito para além disso. Não há, portanto, qualquer legitimidade para a guerra de agressão à Ucrânia.

A extensa e profunda provocação urdida pelos EUA para enfraquecer a Federação Russa e depois reduzi-la à condição de potência regional, nem que para tanto tenha de provocar uma guerra de grandes proporções na Europa usando a Ucrânia como instrumento e sacrificando o povo ucraniano, e de caminho atingindo as principais potências da União Europeia, deve ser explicada e denunciada, mesmo arrostando com os ataques dos representantes políticos da indigente burguesia dependente portuguesa, mas isso não altera o carácter da guerra em curso.

Antes que seja tarde, urge que o PCP faça uma profunda reflexão sobre tudo isto.


ADENDA (08.03.2022)

Hoje, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, pela voz do secretário-geral Jerónimo de Sousa, referindo-se à “paz que tem sido posta em causa nestes anos de muitas guerras na Síria, no Iraque, no Afeganistão, na Palestina, na Líbia e em outros países de África e que, com trágicas consequências e sérios perigos, se desenvolve na Ucrânia e que causam compreensiva e legítima consternação e apreensão”, “uma guerra a que urge pôr termo”, o PCP reafirmou que está “sem equívocos ao lado dos povos que desejam paz e condena todo um processo de ingerência e confrontação que ali se instalou, o golpe de Estado de 2014, promovido pelos EUA naquele território, a recente intervenção militar da Rússia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da União Europeia”.

É grave que o PCP persista na sua errada posição acerca da “recente intervenção militar da Rússia” sem a qualificar, mas é ainda mais grave que se refira à Ucrânia como “aquele território”. Deste modo, o PCP não só foge a qualificar a guerra existente na Ucrânia como guerra de agressão desencadeada pela Rússia contra aquele país, como mostra não considerar a Ucrânia um país independente e um Estado soberano. Esta é a forma como a Federação Russa também considera a Ucrânia e a guerra que contra ela desencadeou. Uma tal proximidade de posições deita por terra a aparente neutralidade do PCP e a sua condenação da guerra.

Até a China, a respeito de Taiwan, considera a sua posição diferente da que ocorre entre a Rússia e a Ucrânia, visto que sempre considerou a ilha como parte integrante do seu território. A Ucrânia é não só um país independente como um Estado soberano, com assento na ONU. Há portanto qualquer dissonância cognitiva no secretariado do PCP a necessitar de urgente tratamento.


ADENDA II (11.03.2022)

Na concentração «Parar a Guerra, Dar uma Oportunidade à Paz!», ocorrida ontem no Largo Camões, em Lisboa, o PCP, pela voz de Pedro Guerreiro, membro do Secretariado do Comité Central, referiu a posição do partido que “desde o primeiro momento, desde 2014, posicionou-se contra a guerra na Ucrânia”, que não é “uma guerra que sirva os interesses do povo ucraniano, não serve os interesses do povo russo, não serve os interesses dos povos da Europa” e serve “os interesses da administração norte-americana e do seu complexo militar-industrial que procuram lucrar à custa do negócio da guerra, querem lucrar à custa da imposição de sanções cujo os custos vão sobrecarregar os trabalhadores e os povos, vão atacar direitos e as suas condições de vida, promovendo fabulosos lucros para os grupos económicos e financeiros e para os especuladores”. E apelou “à mobilização em defesa da paz e contra a guerra, pelos direitos dos povos, pela cooperação e a segurança na Europa, pelo respeito dos direitos da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia”, persistindo na ambiguidade acerca da “guerra na Ucrânia” sem a qualificar e sem se referir à potência imperialista que a desencadeou. Surpreendente é apenas a continuação da estupidez!


0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial