segunda-feira, 11 de abril de 2022

O farsante e o novo pequeno Czar


Alguns factos que fundamentam a responsabilidade pessoal do comediante Presidente ucraniano sobre o desenrolar da guerra parece-me não terem sido referidos com o devido relevo. Um deles foi o uso, desde o início, sem qualquer indício, da expressão “genocídio do povo ucraniano” para qualificar um dos supostos objectivos da potência agressora. Outro, numa clara violação das leis da guerra, foi a distribuição de armas a civis, homens adultos, voluntários ou impedidos de saírem do país acompanhando as suas famílias, conscientemente transformando uns em combatentes reais e todos em alvos legítimos a abater (que são agora englobados na população indefesa massacrada). Outro foi o apelo a todas as formas de luta, inclusive ao uso de infra-estruturas civis e humanitárias (de que um centro comercial e hospitais e maternidades desafectados no todo ou em parte das suas actividades são já conhecidos) como locais de combate, de observação ou de armazenamento de munições, em mais uma violação das leis da guerra.

O apelo (ou a ordem) às populações para que não saíssem das cidades sitiadas e as defendessem, contra a possibilidade da sua evacuação através dos corredores humanitários abertos pelo agressor, que por demasiado ostensivo abandonou depois, passando a aceitar em palavras a evacuação, mas sabotando-a sempre que possível (evacuação a que agora, após o efeito propagandístico das destruições e das mortes ter surtido o seu efeito, se apressa a apelar) foi mais um facto revelador do cinismo e do desprezo pela segurança do seu povo. Outro, ainda, foi a localização dos combates essencialmente no interior das povoações e o uso de habitações como refúgio ou postos de atiradores, colocando moradores não combatentes em risco e usando-os mesmo como escudos. A cereja em cima do bolo foram as recentes palavras do ministro Kuleba, o frio estratega, “dêem-nos armas, que nós oferecemos o sacrifício das nossas vidas”. É caso para perguntar: afinal, quem começou por violar as leis da guerra e procurou o “genocídio”? Quem enviou cinicamente o seu povo para a matança?

O comediante Presidente da Ucrânia teve momentos de desânimo e de vacilação, visíveis pelas cedências que foi admitindo poder fazer, entre elas a desistência da pretensão de entrada na NATO e a hipótese de eventuais perdas territoriais. Depois dos ralhetes e dos incentivos dos principais falcões e interessados no enfraquecimento da Federação Russa, o Presidente dos EUA e o P-M da GB, das promessas de envio de mais e sofisticado armamento e de admissão rápida na UE, do adiantamento de dinheiro (por parte dos EUA) para que o Estado falhado pudesse fazer face ao pagamento de salários e de pensões e da atribuição de outros fundos, mais vultuosos, para a reconstrução do país (pela UE, num verdadeiro plano de fomento que permitirá a criação de muito emprego se os fundos não forem desviados pela corrupção endémica que ali grassa) reganhou o ânimo e passou a considerar possível a vitória, quando tudo indiciava uma previsível derrota. Agora, mesmo perante a catástrofe humanitária, a dimensão adquirida pela produção cénica propagandística e de manipulação de massas por eles posta em marcha e que ele se prestou a representar já não lhe permite recuo possível.

A comédia corre o risco de acabar em tragédia. Apesar de continuar a insistir, ainda que de forma ténue, no reatamento de negociações, “Vitória ou Morte” poderá acabar por ser o seu o dilema. No cenário possível de vitória militar da Federação Russa caso não haja intervenção militar directa estrangeira, como se comportarão as aves de rapina que financiaram, montaram e alimentam a farsa e usam o farsante e o povo do seu país e que aguardam pelo banquete dos despojos? O estacionamento de grandes contingentes de tropas de intervenção rápida da NATO nos países limítrofes indicia a possibilidade de estar em preparação uma nova provocação justificadora da entrada, aberta ou dissimulada, destas forças no conflito com o objectivo de impedir ou demorar uma vitória militar russa. A derrota da Ucrânia, a ocorrer, será também a derrota humilhante dos falcões que a financiaram, armaram e usaram, e que ainda poderão vir a ser confrontados com a captura ou a eliminação de quadros militares seus que têm comandado as forças ucranianas. Por isso, eles tudo farão para evitar ou para mitigar a derrota, demorando-a quanto possível. A confirmar-se, restará saber-se se o caluniado inimigo terá a magnanimidade da misericórdia e lançará ao farsante uma bóia de salvação para um desfecho honroso que lhe salve a vida. Esperemos que sim, embora nem ele nem os sequazes a mereçam.

A Federação Russa, por seu lado, tem evidenciado grandes problemas militares — dificuldades logísticas de apoio a uma operação de tamanha envergadura, impreparação, indisciplina e falta de motivação da tropa regular empregada, além do mais em número insuficiente face às forças do seu inimigo, fraqueza na direcção e comando, deficiências nas comunicações e na coordenação entre as diversas unidades, limitada capacidade do seu pequeno número de satélites militares de comunicações e de observação, que não lhe permitem, por exemplo, a localização e a intercepção das colunas de reabastecimento e dos movimentos de tropas, dos aviões não tripulados da Ucrânia e dos seus aliados norte-americanos, dirigidos das suas bases militares nos arredores das fronteiras polaca e romena ou na Alemanha, e que com as informações colhidas dos seus satélites têm sido de suma importância para o sucesso dos ataques às forças russas — assim como cometeu um erro de palmatória, com elevados custos em baixas de combatentes, em perdas de material, no ânimo das tropas e na estabilidade social no seu país, com o que poderá ser considerado uma inversão da ordem de prioridade dos objectivos tácticos que terá traçado para a sua operação militar.

Começar por resolver a situação das Repúblicas separatistas, orientando para aí o grosso da ofensiva militar terrestre, procurando derrotar o exército ucraniano que as fustigava, e por conquistar o seu acesso ao mar — e, eventualmente, conquistar Odessa, de importância vital para a Ucrânia — cujo sucesso forçaria o governo ucraniano a capitular, culminando com uma mudança de regime ou com um acordo de paz contemplando os seus principais objectivos (neutralidade, desarmamento e desnazificação das forças armadas e da Guarda Nacional) teria sido uma melhor opção. A reorientação em curso da ofensiva para a região de Donbass e o aumento dos efectivos empregados parece denotar o reconhecimento do erro. Se imaginou que o cerco de Kiev conduziria a qualquer levantamento popular de apoio à invasão e à queda do regime ou que fixando aí forças ucranianas impediria a sua deslocação para o leste em reforço dos efectivos da ofensiva que aí se preparava, ou, ainda, que faria deslocar as forças ucranianas estacionadas no leste para irem em socorro da capital enganou-se estúpida e redondamente. Na medida em que a realidade complexa se apresenta à compreensão pelas pessoas, restrita à simplicidade concreta veiculada pela propaganda, aos bens destruídos, aos entes queridos feridos e mortos e ao medo da própria morte, cada um lutou como pôde contra o invasor, apesar dos comuns laços históricos, culturais e em muitos casos também familiares, ou se resignou ou, quem pôde, fugiu (aos milhões, mulheres, crianças e velhos, porque os homens novos foram impedidos), e os comandos militares de ambos os contendores sabiam onde se localizava o que de importante estava em jogo.

As erradas concepções ideológicas que serviram de pretexto à invasão, nomeadamente a de que os povos da Ucrânia e da Rússia “são o mesmo povo”, forçando o que seria adequado apenas para a população ucraniana russófona do Donbass, fizeram com que a sua eufemística “operação militar especial” se desenrolasse com alguns pruridos. Se a Federação Russa tivesse usado a mesma táctica dos EUA aquando da sua guerra contra a Jugoslávia (via NATO), em Março de 1999, bombardeando Belgrado por 78 dias, ou da sua segunda guerra contra o Iraque (em conjunto com o seu aliado GB) quatro anos depois, também em Março, mas de 2003, a famosa operação “choque e pavor”, bombardeando continua e indiscriminadamente alvos civis e militares na capital, sem qualquer preocupação com as populações, a incursão terrestre nortenha teria sido desnecessária, evitando o fiasco em que se transformou. Até nisto, EUA e Federação Russa são diferentes, mas são os russos que estão sendo acusados, através de uma campanha de manipulação de massas sem paralelo montada pelos EUA, GB e UE, de cometerem o “genocídio” do povo ucraniano. É de esperar que com a reorientação da guerra para o Donbass, desde que seja efectuada com número de efectivos e com o material adequados, a Federação Russa perca parte dos pruridos com que actuou em relação a Kiev durante a primeira parte da campanha. Depois do que a têm acusado que labéu resta para colar-lhe? Bem, sempre podem arranjar um novo, que a criatividade dos manipuladores não tem limite.


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