quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O caso free lancer: sigam aquele dinheiro


Discute-se a legalidade dos actos governativos, e a sua eventual nulidade, que aprovaram o estabelecimento de um determinado empreendimento comercial em área protegida. Sendo os actos da competência do governo e tendo a legislação aprovada para o efeito tramitado como usualmente, parece pouco plausível que o processo esteja ferido de qualquer ilegalidade ou nulidade. O problema, portanto, não parece ser da esfera da legalidade. Pode tratar-se apenas de ter limado arestas e, depois de tudo devidamente encaixado, acelerar o processo para recuperar o tempo perdido. Um favor não implica forçosamente qualquer ilegalidade.

Segundo as autoridades policiais inglesas, alguém ligado àquele empreendimento pagou dinheiro a alguém em Portugal. A ser verdade, presume-se que o referido dinheiro não tenha sido uma dádiva, mas pagamento de favor. É também de presumir que o favor pago se relacione com a ultrapassagem dos bloqueios que impediam a aprovação do empreendimento. É deste modo, aliás, que os detentores de poderes burocráticos diversos se fazem pagar por fora. O esquema, tão comum nas Câmaras Municipais, embora grave, é tomado por banal. Se chega ao governo ou a instituições da administração central dele dependentes, presume-se que os valores em causa sejam mais substanciais, gerando inveja e a concomitante indignação.

Nestas coisas, o conhecimento das pessoas certas é fundamental. É preciso que alguém ponha alguém em contacto com as pessoas dotadas dos poderes necessários. Presume-se que o valor pago seja repartido pelos diversos intervenientes, nas proporções ou partes combinadas. E embora todos ganhem, alguém poderá desempenhar o papel de testa de ferro, aparecendo, se for caso disso, como recebedor, depositário e gestor do valor pago, até que a repartição se possa efectivar em segurança. Se alguém pagou e alguém recebeu, meus senhores, não se precipitem: sigam aquele dinheiro. Se lhe encontrarem o rasto, o resto se verá. Mas apressem-se, não sejam cândidos, senão esgotam-se os prazos e os eventuais ilícitos prescrevem, como num caso mal contado de um diploma escolar.

Alguém disse que a ética republicana é a ética da lei. Ganhar a dois carrinhos é ético, republicano e legal? Se assim for, alguém nos acode perante a amoralidade e o despudor com que tantos alguéns se aproveitam da res pública?

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Adenda (30.01.2009).

Soube esta tarde que JPP, o mais atarefado dos comentadores políticos, não considera que "a questão política fundamental do Freeport para o debate público seja “seguir o dinheiro”". Afirma o conceituado comentador que isso "É-o para a justiça, mas para o debate público há muitas outras coisas que podem ser discutidas independentemente de se “seguir o dinheiro”. O dinheiro é a bomba atómica, mas há muito obus de artilharia por registar e a boa saúde dos soldados da democracia também depende de responder à barragem de artilharia". O debate público a que se refere será o "diz-se, diz-se" e as conversas de escárnio e maldizer dos desabafos de café acerca da honorabilidade da personagem em causa?

Pinóquio é mentiroso compulsivo, aliás, como muita gente e quase todos os políticos. O que importa para julgá-lo politicamente não é o facto de mentir, mas o teor e a gravidade dos actos encobertos pelas suas mentiras. Suspeita-se que esteve envolvido em traficâncias de assinaturas de favor quando era um simples técnico camarário, assim como se suspeita que um seu diploma escolar não foi obtido segundo os cânones académicos. Em qualquer dos casos, a má sorte bateu-lhe à porta, porque investigações incompetentes não o implicaram em qualquer ilícito, mas também não o ilibaram. Desta vez, as suspeitas são mais difusas, mas o eventual ilícito é mais grave. Até agora, sobre este caso, pode haver lapsos ou mentiras cujo significado não está esclarecido. A única merda que vi foi aquela com que alguns jornalistas tentaram emporcalhar o Pinóquio; ainda não vislumbrei qualquer que ele tivesse feito. Falta, portanto, investigar, a sério e rapidamente. O coitado tem direito à justiça, porque com a honorabilidade de cada um não se deve brincar.

Verificada a legalidade dos actos de que resultou a aprovação do licenciamento do empreendimento, que apesar das estranhas coincidências e celeridades não envolve polémica (ao contrário das reprovações anteriores), o que resta para o combate político se não o eventual envolvimento em tráfico de influências ou em corrupção? Como usar estes temas no combate político sem o cabal esclarecimento do caso ou sem fortes indícios de envolvimento nesses ilícitos? Apenas por conjecturas baseadas em suspeitas infundadas motivadas por testemunhos que poderão não ser isentos? O que transforma um eventual favor (de necessidade genuína ou artificialmente fabricada) num eventual ilícito se não o recebimento de dinheiro (ou de outros bens) em proveito próprio ou no de terceiros? Como não é importante seguir o rasto do dinheiro que é afirmado ter sido pago para garantir a aprovação do licenciamento se é ele que determina a existência do ilícito? O desespero de certos políticos armados em comentadores fê-los perderem a tramontana?