quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A corja alucina de novo: autoritarismo, violação da Constituição e das leis do Estado de direito…


Há uns dias, a corja no poleiro decretou o “estado de calamidade”, impondo toda a sorte de violações dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República, concedendo às polícias e a não sei mais a quem o direito à violação do domicílio (a coberto da entrada na “propriedade privada”) sem mandato judicial. Faz lembrar os usos da PIDE, a velha polícia política do fascismo, e os tempos conturbados do PREC… O pior é refinados demagogos terem o desplante de se apresentarem como genuínos “democratas” e convictos políticos de esquerda. Os fascistas, ao menos, eram assumidos autoritários, anti-liberais, anti-democratas, impunham a censura, não permitiam a greve, mas pautavam-se por ser gente honesta (e os que não eram o chefe corria com eles em três tempos). O corjedo (a corja no poleiro e a que já lá esteve), além de incompetente, não é gente honesta (é corrupta e peculadora), não impõe a censura (induze-a a jornalistas dóceis) mas abusa da propaganda, e em quase tudo do resto comporta-se como fascistas de facto.

Em aliança com o resto do corjedo, prepara-se para legislar a imposição da obrigatoriedade do uso de máscara sanitária em todo o lado (mesmo ao ar livre e guardadas as distâncias), ironia das ironias e sem corar de vergonha, quando há meses não recomendava o uso em qualquer situação. Pretendia também tornar obrigatório o uso de uma aplicação para telemóvel violadora da privacidade dos cidadãos. Parece que recuou quanto a esta última medida, perante o ror de clamores de cidadãos informados. Mas, quanto a isto, “até ao lavar dos cestos é vindima”. Veremos qual o desfecho. Pode ser que a mim, que não possuo (nem nunca possuí) telemóvel, me ofereçam um já com a aplicação instalada! Depois verei o destino que lhe darei. Apesar das violações da Constituição e das leis que comete, cerceando direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pretendia impôr agora a sua fezada na tecnologia de comunicações como panaceia milagreira para limitar e erradicar focos, reduzindo drasticamente os contágios e assim acabar com a nova peste.

Hoje, noticiam os jornais, decretou uma série de medidas violadoras da Constituição e da lei — antes integradas no “estado de emergência” proposto pelo hipocondríaco comentador inveterado que ocupa a Presidência da República, aprovado pelo Governo e por uma maioria parlamentar de funcionários partidários incapazes de pensarem pelas suas fracas cabeças — a serem introduzidas (por simples resolução do Governo, pasme-se!) no “estado de calamidade” actualmente em vigor: a proibição da circulação entre concelhos no fim-de-semana alargado que se aproxima (ligado a uma data em que se manifesta uma das crenças mais íntimas das pessoas, o culto dos seus mortos, uma parte do seu ser) e a imposição do confinamento residencial nalguns concelhos. Não aprendeu nada com o autoritarismo fascizante nem com o desastre sanitário, económico, político e social do anterior confinamento e repete-os agora em novas versões, um pouco atenuadas, sem qualquer pudor nem responsabilização. Não sei se por gosto pelo autoritarismo impune ou se apenas por estupidez.

A corja está em pânico com o espectro da provável ruptura do SNS perante o aumento do número de doentes a necessitarem de internamento hospitalar e de cuidados intensivos e alucina de novo. Sabia-se de antemão que no Outono-Inverno o vírus SARS-cov2 voltaria a atacar em força, tal como outros e o das gripes sazonais, mas durante seis meses a corja não cuidou de aumentar significativamente o número de camas de internamento e de cuidados intensivos disponíveis nem de qualificar mais pessoal médico e de enfermagem intensivista com o treino necessário (ou apenas suficiente para as manobras essenciais). E, apesar do "estado de emergência" e do "estado de calamidade" que impôs, não arranjou coragem para requisitar os hospitais privados para o combate à doença, preparando-se para lhes entregar os outros doentes que o SNS deixou de tratar, em mais uma PPP desastrosa para o erário público, aumentando o cerco e o risco de destruição do SNS. Típico da governação à vista e de reacção aos acontecimentos dos seus Governos e das suas opções ao serviço do capital. Para além da constante auto propaganda, aquelas cabecinhas pensadoras parece só terem capacidade para a retórica dos vendedores da “banha da cobra” especialistas em enganar o pagode.

O chefe da corja, o Tó Gosta do poleiro, mais uma vez, esteve em todas no seu melhor: ameaça de crise política, para pressionar a aprovação do Orçamento do PS, depois arrependimento e o choradinho da disposição de não abandonar o barco na actual situação de borrasca (até à próxima ameaça de crise, porque a bancarrota é certa); autoritário, mas a contragosto, porque é um democrata dos quatro costados (que diria do espécime o pai, se fosse vivo…), depois a justificação dos “abanões”, porque os culpados da existência e da propagação do vírus são a moçada nos copos e nas festarolas e as confraternizações familiares, já que o pessoal, ingrato, não respeita alguns disparates que lhe são impostos, não sabe viver sozinho e quer é gozar a vida enquanto existe… Enfim, o Tó Gosta do poleiro tem-se revelado um exímio fala-barato e um manhoso de primeira apanha. A este jurado “democrata” e declarado “anti-autoritário” já lhe ouvíramos afirmar, acerca das violações do direito à greve, que faria o que fosse necessário “diga a Constituição o que disser”. Perante a impunidade, parece que lhe tomou o gosto. Por isso, repito: não se ponham a pau com o artista, não…


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Pela Liberdade e pela Democracia – chega do Chega!

Com a devida vénia, transcrevo aqui um texto interessante e oportuno de António Garcia Pereira sobre o Chega, o partido proto fascista, reaccionário, do ressentimento e do ódio classista burguês, dirigido por um demagogo desprovido de quaisquer escrúpulos.


*


"Ultimamente tem-se falado bastante do partido Chega e do seu líder André Ventura, bem como das apregoadas intenções de voto, e diversos cidadãos, alguns indiscutivelmente democratas, vêm manifestando crescente espanto e até inquietação por tal questão e por aquilo que ela pode vir a representar no futuro. Trata-se, efectivamente, de uma matéria que deve merecer não apenas a nossa atenta análise como uma tomada firme de posição.

O Chega tem assentado toda a sua actuação numa quádrupla base: um contínuo vozear (aos gritos de “vergonha!”) contra a corrupção e outros desmandos praticados por dignatários do regime, uma permanente afirmação da sua alegada seriedade e honradez, um discurso em que se proclama defensor dos pobres e dos “descamisados” contra os ricos, os poderosos e os corruptos, e, finalmente um apelo sistemático ao ódio aos outros, ao insulto baixo e rasteiro e ao medo.

Os dinheiros do Chega

Esta operação manipuladora de consciências vem sendo construída com poderosos meios financeiros que permitem sustentar gigantescas campanhas propagandísticas, as quais vão desde outdoors (que custam centenas de milhares de euros) até uma utilização massiva das redes sociais, com dezenas de milhares (pelo menos 20.000) de perfis falsos com a assim falsificada amplitude dos pretensos apoios à causa, passando ainda pela organização de autênticas campanhas de ódio, de amedrontamento físico e de homicídio de carácter de quem se lhes ouse opor.

É, aliás, muito curioso que a Entidade Fiscalizadora das Contas dos Partidos Políticos – que tão interessada se mostra, sobretudo em relação a pequenos partidos, em exigir que eles tenham uma contabilidade ao nível da de uma empresa cotada em bolsa e em saber quem terá pago uma bica que um dado candidato foi, numa sua acção de campanha, filmado a tomar – não se mostre minimamente empenhada em esclarecer devidamente de onde vêm os apoios financeiros que suportam a actividade, em particular a propagandística, do Chega, quer antes da eleição de André Ventura – quando não havia qualquer subvenção estatal – e mesmo depois, quando passou a receber 193 mil euros anuais.

Por outro lado, apresentando-se como pretenso defensor dos pobres, o Chega, não obstante todos os seus discursos, convive afinal muito bem com a corrupção e a lavagem de dinheiros, desde logo relacionadas com os vistos gold, e, por isso, quando no início deste ano o parlamento discutiu uma proposta de alteração do Orçamento de Estado visando a extinção desses vistos, Ventura votou… contra!

Os dirigentes do Chega

Não seguramente por acaso, pelo menos três dos mais altos dirigentes do Chega estão ligados aos investimentos imobiliários de luxo e negócios adjacentes.

Na verdade, Salvador Posser de Andrade, vogal da Direcção do Chega, é administrador da Coporgest, uma imobiliária de luxo que pertenceu ao universo BES/GES, responsável, entre outros, pelo luxuoso empreendimento Duques de Bragança, junto à Rua Vítor Cordon, em Lisboa, com apartamentos entre os 700 mil e os 6 milhões de euros, e de cuja administração fazem parte ou fizeram, entre outros, personagens como José Maria Ricciardi e Luís Marques Mendes.

Diogo Pacheco de Amorim, número 2 do Chega e considerado como o “ideólogo” do mesmo – que pertenceu a movimentos terroristas de extrema-direita como o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) – também exerce a sua actividade no sector imobiliário de luxo.

Ricardo Regalla, Director de Comunicação do Chega, é consultor de uma empresa imobiliária de luxo, que exerce a sua actividade sobretudo em Cascais, Sintra e Lisboa, dedicando-se igualmente à organização de eventos de luxo (como festas de divorciados a 100€ por cabeça).

Por outro lado, Gerardo Pedro, responsável número 1 pela estratégia e pelas “operações” na área digital (isto é, pela produção de conteúdos e gestão das redes sociais), é dono da Kriamos, uma empresa de produtos digitais ligada à angolana Alcian Soluções, considerada muito próxima do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e do regime angolano.

Isto já para não falar de Manuel Matias, assessor parlamentar de Ventura (e, antes, fundador do Partido Pró-Vida, o qual se fundiu com o Chega), que foi presidente, durante cerca de 5 anos, da cooperativa “Pelo sonho é que vamos”, do Seixal, e a levou à falência, ficando a dever meio milhão de euros de salários a cerca de 50 trabalhadores.

Ventura, “amigo” dos pobres

Significativamente, o “amigo” dos pobres defende a expulsão dos cidadãos mais desfavorecidos das grandes cidades (para aí se poder desenvolver a especulação imobiliária e se aumentarem brutalmente os preços da habitação) com o extraordinário argumento de que se impõe “deixar o mercado funcionar e, desde logo, deixando vigorar o princípio do utilizador-pagador em todos os aspectos da vida nas grandes cidades da orla costeira. Rapidamente a vida nessas grandes cidades se tornaria incomportável para parte substancial da sua população que assim se dirigiria às cidades do interior”.

Quem sempre viveu numa cidade e agora, mercê da inflacção dos preços da habitação e do salário de miséria que recebe, não consegue pagar a renda, que seja despejado, largue a casa e vá viver para o campo – eis a política habitacional do Chega.

E, já agora, convém também recordar que no seu programa e na lógica, aí afirmada, de que as funções sociais do Estado devem ter carácter de mera “residualidade”, o Chega se propõe privatizar por completo os Hospitais, as Universidades, as Escolas e as vias de comunicação, bem como todas as empresas públicas, diminuir os impostos sobre as grandes empresas e – última novidade – criar um imposto de taxa (15%) única e igual quer para ricos e muito ricos, quer para pobres e muito pobres, com o inevitável lançamento destes últimos na miséria, na fome e na doença. Ou seja, com tal regime fiscal um trabalhador casado e com 2 filhos, com um salário de 800€ e que paga actualmente, à taxa de 3,5%, 28€ de IRS, passaria a pagar 120€, enquanto um deputado, também casado e com 2 filhos, que ganha actualmente 3.600€ e paga, à taxa de 29,9%, 1.076€, passaria a pagar apenas 540€… É caso para dizer que, para defensor dos pobres, não está mal…

Os grandes e generosos amigos do Chega

Acresce que o Chega conta também com a garantia do generoso e significativo apoio, para além dos já acima citados, de outros ricos e poderosos homens de negócios – com quem Ventura tem reunido: O seu admirador confesso João Maria Bravo, do grupo Sodarca (empresa de armamento e de tecnologia militar, fornecedora do Estado português) e da empresa de helicópteros Helibravo (igualmente contratada pelo Estado para o combate a incêndios) representando ambas uma facturação superior a 33 milhões de euros em contratos públicos nos governos de Costa, Carlos Barbot, dono das tintas Barbot, Paulo Mirpuri, o dono da falida companhia de aviação Air Luxor e CEO da sua sucessora Hi-Fly (contratada pelo governo para ir buscar à China equipamentos individuais de protecção contra a COVID-19), João Ortigão Costa, da Sugal Group (um gigante da indústria agro-alimentar que detém a maior fábrica de transformação de tomate da Europa), Francisco Sá Nogueira (antigo vice-presidente de uma das holdings do grupo Espírito Santo) e, enfim, o advogado Francisco Cruz Martins (que esteve, por várias formas, ligado a escândalos financeiros e políticos como os do BES, do BANIF e dos Panamá Papers).

Todos muito interessados em “atacar os compadrios políticos” (frase do advogado em declarações à revista Visão) e prometendo que, em termos de ajuda financeira, “far-se-á o necessário”, com a justificação de que “desde 1974 que o país se afunda” (afirmações explícitas, estas, de João Maria Bravo).

Como diz o povo, “diz-me com quem andas (e quem te ajuda), dir-te-ei quem és!”…

Os apoios das igrejas ao Chega

A tudo isto se soma ainda a crescente e cada vez mais visível ligação do Chega e de Ventura às igrejas, não só à católica, mas também às evangélicas pentecostais (à semelhança de Bolsonaro, abençoado pelo bispo Edir Macedo, dirigente máximo da IURD, e de Trump), as quais buscam afincadamente o poder político e social e grandiosos ganhos económicos, designadamente através das isenções fiscais de que consigam passar a beneficiar.

É, assim, cada vez mais frequente os líderes dessas igrejas não apenas financiarem actividades partidárias como também fazerem elogios públicos, nos locais de culto e nas respectivas publicações e órgãos de imprensa, aos dirigentes políticos que eles apoiam.

E – como denunciou recentemente o Professor Donizete Ramos, professor de Sociologia da Religião na Universidade da Beira Interior – tal já está a acontecer com o Chega, havendo mesmo pastores evangélicos que, durante as sessões de culto, apelaram explicitamente, nas últimas legislativas, ao voto em André Ventura. E, por exemplo, a Kuriakos TV, o canal da Igreja Maná, apoia-o descaradamente, inclusive já tendo feito a cobertura de iniciativas do Chega.

A dirigente nacional Lucinda Ribeiro, uma cristã evangélica ultra-reaccionária, afirmou, numa das diversas coisas que já escreveu, que “quem não quer ser chamado de extrema-direita está no partido errado”. Ela é, significativamente, a coordenadora não apenas das inscrições no Chega, mas também e sobretudo dos vários “grupos de apoio” a André Ventura, posicionados estrategicamente nas redes sociais. Maria Helena Costa, autora de um famoso livro contra aquilo que designa de “ideologia de género”, e Ana Eusébio, da chamada Comunidade Cristã de Lisboa (candidata das lutas do Chega), são outras dirigentes igualmente muito influentes.

A “coerência” e “seriedade” de Ventura

O próprio André Ventura – que gosta de se auto-proclamar um modelo de virtudes – é funcionário da Autoridade Tributária. Como estagiário, assinou um famigerado parecer com base no qual uma empresa de Paulo Lalanda de Castro (que trazia líbios para tratamento médico em Portugal) foi isentada de pagar 1,8 milhões de euros de IVA.

Depois, numa curiosa evolução profissional, foi-lhe autorizada uma licença sem vencimento no Estado para passar a exercer funções de consultor na Finpartner – Consultadoria, Contabilidade e Fiscalidade S.A., empresa de “planeamento fiscal” da Sociedade de Advogados dos irmãos Caiado Guerreiro, cuja actividade essencial consiste em ajudar as empresas a praticarem a chamada elisão fiscal (ou seja, através do uso formalmente lícito de mecanismos e subterfúgios legais, conseguirem eximir-se ao pagamento de impostos) e que publicita no respectivo site o apoio a clientes alvo de inspecções tributárias (do anterior emprego de Ventura!), além de disponibilizar moradas para sedes temporárias, de forma – pasme-se – a “facilitar alguns tipos de projectos ou abertura de empresas”. Numa entrevista dada a 3 dias das últimas legislativas, Ventura jurou “a pés juntos”: “sim, eu vou estar em exclusividade porque tenho de dar o exemplo, não pode ser só falar”. E, todavia, manteve quer essas funções de consultor financeiro, quer as de comentador na CMTV. Destas, foi dispensado apenas em 19 de Maio, e quanto às primeiras apenas as cessou após inúmeras denúncias públicas do que eram afinal as suas proclamadas “coerência” e “seriedade”, a partir de 30 de Junho, isto é, 6 meses e meio depois de ser eleito! Tudo isto ao mesmo tempo que faltava no parlamento também à votação de diplomas legais relativos ao combate de branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo…

Aliás, nesta manifestação de enorme coerência, o André Ventura que em 2019 ataca as minorias étnicas e os homossexuais e que defende coisas como o aumento desmesurado do poder das polícias, a “abolição das autorizações de residência para protecção humanitária” e a “redução drástica da presença islâmica na União Europeia” é o mesmo que, em 2013, para efeitos académicos e na respectiva tese de doutoramento apresentada na Universidade de Cork, na Irlanda, criticava com veemência a expansão dos poderes policiais, a “estigmatização e discriminação das minorias”, as políticas “baseadas no medo” e o “populismo penal” (representado no aumento desmesurado das penas e nas “detenções sem provas concretas”).

E que, apanhado entretanto nessas evidentes contradições, tentou justificá-las com o “argumento” de que “uma coisa é a ciência e outra é a opinião política”, ou seja, que um dirigente partidário estará autorizado a falsear a realidade e a proferir atoardas anti-científicas para atingir os seus objectivos políticos!

Afinal, onde ficaram a coerência, a seriedade e a honra de que Ventura tanto gosta de se gabar?…

Chega, o partido dos grandes interesses financeiros

O Chega é, assim, um partido de dirigentes e apoiantes ricos e ultra-conservadores que protege e defende os grandes interesses económico-financeiros. Um partido que continuamente prega, em grande gritaria, uma coisa, e depois pratica o seu oposto. Um partido que, financiado por aqueles mesmos interesses, armado de poderosas milícias digitais e apoiado pelos sectores mais reaccionários da sociedade, faz constantes apelos aos sentimentos mais primários das pessoas e que desenvolve continuadamente o discurso do ódio e o apelo ao chavão e ao ataque pessoal mais miserável. Um partido que defende, pratica e incentiva a xenofobia e o racismo, a discriminação e a perseguição ao que é diferente, seja na política, na cultura, na raça ou na orientação sexual.

A vozearia aparentemente radical contra a corrupção e a ganância dos ricos e poderosos – que poderá enganar os mais incautos – não passa, afinal, da máscara por detrás da qual se escondem os seus verdadeiros objectivos e projectos de sociedade.

Os discursos pretensamente anti-sistema “sempre ao lado dos bandidos” contra o “lamaçal da política” e a “palhaçada do parlamento”, do “murro no estômago dos acomodados”, não passam assim da mais primária das demagogias. E a ferocidade e o primarismo dos ataques contra os pretos, os ciganos, os emigrantes em geral e os homossexuais, está a par com teorias como a de que “Ventura é o que os cristãos esperavam há muito. É católico, como Salazar, e ambos receberam a cultura do seminário, só não foram para padres. Se queremos o país governado por Deus, temos de ter homens e mulheres tementes a Deus na Governação” (declarações do pastor evangélico Constantino Ferreira).

Chega, o partido dos fascistas convictos

Fascistas convictos estão por todo o lado nas estruturas do Chega: Luís Filipe Graça, presidente da mesa da convenção, foi dirigente do PNR e, antes disso, do MON – Movimento de Oposição Nacional, embrião da organização neo-nazi Nova Ordem Social. O mesmo passado têm Carlos Carrasco, Vice-presidente da distrital de Setúbal (o qual, por seu turno, se gaba de ter contactos com Marine Le Pen da Frente Nacional de França e com Alessandra Mussolini), Pedro Frade, candidato por Lisboa, e Pedro Marques, ambos ex-dirigentes do MAN – Movimento de Acção Nacional, Rui Roque, ex-dirigente do PNR e director de campanha do Aliança de Santana Lopes (e que esteve ligado à claque do Farense SS Ultras para além de ser um simpatizante e defensor confesso do fascismo na sua página de Facebook) e até a cartomante Cristina Vieira juntou ao seu palmarés de Directora de operações da LibertaGia (uma sociedade que, por meio de um esquema de pirâmide, terá lesado cerca de 2 milhões de clientes) um lugar destacado no Chega e na elaboração do respectivo programa.

Num partido assim só podem aparecer propostas medievais como a da retirada dos ovários às mulheres que abortem (que, apesar de chumbada, a verdade é que foi recebida e aceite para discussão e votação na Convenção de Évora) ou medidas, constantes do programa, como as já antes referidas ou ainda as da castração química ou mesmo física dos culpados de crimes de violação, da extinção do Ministério da Educação, da criação da pena de prisão perpétua, da oposição frontal à tipificação do chamado “crime de ódio” na lei penal portuguesa, da rejeição do multiculturalismo, da instituição de serviço comunitário obrigatório para os desempregados que recebem subsídio de desemprego, etc., etc., etc.

O Chega, uma tragédia para os trabalhadores

E para algum trabalhador que ainda tivesse alguma espécie de ilusão sobre o que pretende o Chega em matéria de trabalho, basta ler o ponto 6 do respectivo programa, onde se preconiza: “2. Alteração da legislação laboral no sentido da flexibilização dos fluxos de entrada e saída da situação de empregado; 3. Maior flexibilização da legislação laboral a vários níveis, de modo a que todos possam ter acesso ao mercado de trabalho, mediante 4. A liberalização das entradas e saídas do mercado de trabalho. Para que os fluxos aumentem é necessário facilitar as contratações e isto só é possível se os custos de “empregabilidade” – salários, restrições legais, horários de trabalho rígidos, difícil acesso a informação, contribuições para a segurança social e custos de despedimento – forem reduzidos;” Isto é, a absoluta lei da selva nas relações de trabalho, com a facilitação ainda maior dos despedimentos e da contratação precária, a redução das contribuições patronais para a Segurança Social, a diminuição dos salários e das indemnizações por despedimento e a flexibilização dos horários segundo os interesses do patrão.

É, em suma – e disfarçado embora com as velhas roupagens da “salvação da Pátria” e do papel místico do chefe, bem como do ideário, velho de nove décadas, do “Deus, Pátria e Autoridade” – o programa terrorista do grande capital para o período da grave crise económica e social que se avizinha a passos largos e que já se está hoje a sentir. Tal como sucedeu com Hitler, Mussolini, Franco e Salazar nos anos 30 do século XX, com a ferozes ditaduras militares da América Latina nos anos 60 e 70 e com Trump e Bolsonaro no século XXI.

Os fascistas não passarão!

Todavia, é importante salientar – e esse debate tem que ser travado no momento presente, e não depois! – que são agora (tal como, ao longo da História, têm sido sempre…) muitos dos que se dizem defensores da Liberdade e da Democracia que abrem afinal o caminho aos fascistas e a outros populistas e que permitem que o discurso demagógico e traiçoeiro destes possa ganhar apoios. Na verdade, quando, por exemplo, os partidos da governação, com o PS e o PSD à cabeça, tratam a Administração Pública e o Sector Empresarial do Estado como um conjunto de “tachos” a distribuir desavergonhadamente pelos amigos e compadres da mesma cor partidária é aquele caminho que estão afinal a abrir.

Como é também isso que acontece quando tais partidos, em particular os que se dizem de esquerda, alinham tranquilamente em todos os esquemas de corrupção (da falsificação de documentos à manipulação dos dados de residência para os deputados receberem mais uns “subsidiozitos”), ou tentam substituir o debate de ideias, sério e reflexivo, pelo abafamento de todas as vozes críticas (sejam elas contra as medidas de autêntico “tecno-fascismo” sucessivamente adoptadas sob o pretexto do combate à Covid-19 ou as que denunciam que, ainda agora, nem uma só instituição ou organismo público português adoptou a chamada norma NP ISO 37001, de 2018 relativa aos sistemas de gestão anti-corrupção), procurando assim impor, ainda que de formas mais subtis, a lógica do medo e o império do pensamento único.

Desta forma, esses democratas mostram-se afinal tão maus, tão corruptos e tão autoritários quanto aqueles que eles dizem criticar e combater e, assim, quando finalmente acordam, fazem-no já em cima das baionetas dos que, com as suas posições e atitudes, ajudaram a crescer e a chegar ao poder, de nada valendo então os arrependimentos de última hora.

Quanto aos fascistas, o que há a fazer é, todos os dias, devotadamente, sem desfalecimento, tirar-lhes as peles de cordeiros e pôr a nu a sua verdadeira natureza e os reais interesses que defendem. E dizer-lhes, com toda a firmeza do mundo: “Não, não passarão!”.

António Garcia Pereira

01.10.2020"

in: http://www.noticiasonline.eu/pela-liberdade-e-pela-democracia-chega-do-chega/

domingo, 4 de outubro de 2020

Competitividade pelos salários baixos: a estupidez volta a atacar


Nos últimos dias, em jornais ditos de referência e num ou noutro blog, têm aparecido algumas vozes clamando contra os elevados custos do trabalho em Portugal. Algumas dessas vozes preconizam também a não existência de um salário mínimo e outras colocam-se manifestamente contra qualquer aumento desse salário (seria "criminoso", disse o Ferraz da Costa, um artista com longo passado na matéria). Defendem, além do mais, que a redução dos salários (nomeadamente dos indirectos ou contribuições para a segurança social) ou a não existência de um salário mínimo seriam medidas inteligentes. Sem entrar pelo que é a estrutura dos preços de custo da produção e da parte dos salários nesses preços de custo, a “bondade” de um tal argumento advém da afirmação de que em Portugal as empresas tenderiam a substituir trabalhadores por máquinas (entenda-se maquinaria automatizada sofisticada e robots) por causa dos actuais “salários altos” ("encarecidos", nomeadamente, pelos salários indirectos ou contribuições para a segurança social).

Se assim fosse, se os salários em Portugal fossem realmente altos, a maquinação automatizada (a automação e a robotização) entre nós seria ou tenderia a ser um facto, o que é contrariado pela realidade (a presente e a tendência da sua evolução). A introdução da automação e da robotização ocorre, maioritariamente, em países e em ramos da produção em que os salários são realmente altos, e não ocorre tanto em Portugal porque aqui eles são realmente baixos. Mas mesmo naqueles casos a correlação entre automação e robotização e salários altos não é sinónimo de causalidade. Tanto assim é que ela ocorre também em países e em ramos em que os salários são comparativamente baixos, principalmente introduzida pelo investimento directo estrangeiro que já usa essa tecnologia (e por isso também a usa aqui, ainda que em menor escala, sendo a China o caso mais evidente) ou por empresas que pretendem conquistar mais vantagens competitivas pelo aumento da produtividade apesar dos salários baixos que pagam (veja-se o caso paradigmático da empresa de comercialização intermediada e de distribuição Amazon), que assim ganham a dois carrinhos, conjugando salários baixos e níveis altos da produtividade proporcionados pela automação e a robotização.

Defender a descida dos salários para evitar a automação e a robotização da produção onde ela for possível (“ao ficar mais barato, o trabalho só será substituído por máquinas se for mesmo muito mais barato, ao contrário do que acontece hoje”, disse um outro artista num blog, sem notar a contradição do que afirma) e apresentá-la como "medida inteligente" (na presunção deste último artista) é sinal não de inteligência, mas de cegueira ou de estupidez. Num país em que os níveis da produtividade são baixos (provocados pela baixa qualidade da gestão empresarial, mas também pela baixa composição orgânica e técnica do capital) e em que a pouca competitividade com o exterior tem assentado nos salários baixos, preconizar medidas que contribuiriam para a manutenção da baixa produtividade e para a reprodução do ciclo vicioso da competitividade pelo baixo nível dos salários só pode ser causado por grande reaccionarismo ideológico ou, então, por retinta estupidez.

A automação e a robotização crescente da produção não tem relação directa com os preços do trabalho (com os quais existe apenas uma relação indirecta), mas tem fundamentalmente a ver com o aumento da produtividade que proporciona, o que permite reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade de umas empresas em relação às concorrentes, aumentar a produção, reduzir o ciclo de rotação do capital circulante e assim proporcionar o aumento da lucratividade. A melhoria da competitividade pelo aumento da produtividade e, através dela, da lucratividade, é o fundamento da automação e da robotização da produção. E o número de trabalhadores dispensado pela automação e a robotização tenderá a ser marginal, mesmo que possa ocorrer significativamente na produção directa nalguns ramos, pois ela tenderá a aumentar o emprego noutros ramos (ainda que emprego talvez mais precarizado e de baixos salários) e também naqueles de produção e de manutenção das máquinas automáticas e dos robots (nos quais os salários são em geral altos).

O aumento da produtividade proporcionado pela automação e a robotização tem como senão o aumento da produção, porque em geral a produtividade não cresce significativamente com a produção constante. Como o problema das empresas nunca foi produzirem as mercadorias (seja com que tecnologia for), mas vendê-las (porque é isso que transforma realmente os produtos em mercadorias e o seu valor de custo de produção em capital dinheiro e o valor apropriado como trabalho em valor apropriado como lucro), o aumento da produção traz consigo o risco acrescido das crises de sobreprodução (e, em cada empresa, o aumento do risco da obtenção do lucro e, mesmo, o do retorno do capital consumido). A automação e a robotização se levadas ao extremo seriam um absurdo, criando níveis de desemprego assustadores. Mas essa seria uma situação paradoxal, na qual a produção seria realizada por robots produzidos por robots. Numa tal situação paradoxal, em que com tanta produtividade os robots não conseguiriam consumir o que produziam, mesmo que produzissem também mercadorias para seres humanos de que valeria isso estando os seres humanos desprovidos de rendimentos para comprarem o que quer que fosse? Não creio que atinjamos a insanidade de uma tal situação paradoxal, pois que a humanidade não produzirá a sua escravidão (ou a sua extinção) de forma tão deliberada.

Almada, 04 de Outubro de 2020.