domingo, 10 de janeiro de 2010

O Perdigueiro Português: a história de um livrinho


Os três livros sobre o Perdigueiro Português, por ordem da data da publicação original: o do Padre Barroso (1948, 1962, 1990), o meu (1981) e o de Jorge Rodrigues (1993). Imagens colhidas aqui.



A vida de cada um é cheia de peripécias. Uma das peripécias da minha foi ter sido jornalista, por um curto período. Daqueles jornalistas que compõem a redacção de órgãos de imprensa especializados, numa situação laboral não muito bem definida, entre o profissionalismo e o amadorismo. No caso, tratou-se de exercer tão excelsa actividade na revista Diana, dedicada a temas de caça e de pesca, já extinta. Por insólito que pareça, foi um dos modos que arranjei para colmatar o vazio que o abandono da actividade política criara e para ajudar a curtir as amarguras que a descrença no comunismo e no marxismo me causava.

Remetera ao seu director, o saudoso Manuel do Amaral, um dos poucos especialistas profissionais em pesca e caça, um pequeno texto dando notícia de umas provas de cães de caça, que na época me despertavam interesse, tecendo alguns comentários a propósito do assunto. Em troca recebi um convite para um encontro, no qual me apresentou uma proposta para colaborar regularmente na revista com textos sobre o tema mais vasto dos cães de caça. Assinava esses textos com o nome, por ele escolhido, de Manuel Correia. Tempo depois, a proposta inicial alargou-se, e passei a integrar a redacção da revista até à sua extinção.

Como acontece com muitas publicações periódicas especializadas, dependentes de publicidade orientada para o seu público-alvo mais específico, e por isso mais escassa, a vida económica da revista não era muito desafogada, e o editor via-se em palpos-de-aranha para canalizar para ela uma parte da publicidade que angariava para o conjunto das publicações que mantinha. Com alguma ginástica, o Protásio, da Meribérica/Liber, lá conseguiu ir editando-a por uns poucos anos, até que as fracas receitas impuseram a suspensão da sua publicação. O mesmo título viria a ser usado anos depois por outro editor.

Alguns textos que escrevi então para a Diana sobre o Perdigueiro Português, uma das nossas duas raças de cães de caça, tiveram bom acolhimento, pelo que me pude aperceber pelos contactos que mantinha com criadores e com utilizadores da raça. Estava-se numa fase de recuperação e de melhoramento, depois de alguns erros de criação e de selecção, devidos ao fraco conhecimento técnico e a estranhas preferências estéticas com implicações negativas na funcionalidade ou em seu detrimento, que quase tinham descaracterizado a raça como cão de trabalho. Entre os caçadores, começava a despertar um novo interesse pelo "nacional", cuja difusão aumentava gradualmente, e impunha-se contribuir para dá-lo a conhecer melhor.

Motivado para participar nesse esforço de melhoramento, através da divulgação, dispus-me a escrever um livrinho que colmatasse a lacuna existente no mercado, visto a última edição de um livro dedicado ao Perdigueiro Português, da autoria do Padre Domingos Barroso, datar de 1962, a caminho dos vinte anos, e se encontrar esgotada há muito. Como amador do Pointer, não era suficiente admirador das qualidades da raça portuguesa para me considerar pessoa indicada para o efeito, mas na ausência de outros interessados acabei por meter mãos à obra. Uns meses depois, em Setembro de 1981, saía a público aquele meu livrinho.

O resultado não era brilhante, para os meus padrões de exigência, mas foi o que se pôde arranjar. Surpreendentemente, acabou por constituir um sucesso editorial, na medida em que a edição se esgotou em dois anos ou coisa parecida. Por esse facto, o editor Francisco Espadinha propôs-me a sua reedição, como simples reimpressão, para embaratecer os custos. Como não achava o livro produto suficientemente bom e me parecia que os leitores mereciam melhor, propus-lhe uma nova edição, expurgada de gralhas e de erros, corrigida de imprecisões e um pouco aumentada com novos materiais, provenientes de estudos meus posteriores sobre a raça. Não aceitou.

Tinha na altura pronto para edição um livrito ainda mais modesto sobre a outra raça portuguesa de cães de caça, o Podengo Português, que o mesmo editor não se afoitava a publicar, com receio de que o mercado mais restrito a que se destinava não lhe proporcionasse o retorno devido. Aproveitei a ocasião para mostrar-lhe o interesse da edição conjunta dos dois livrinhos, mas não consegui persuadi-lo a anuir nem demovê-lo do seu cepticismo. Não acreditava que o risco de um seria compensado com o sucesso garantido do outro, e na falta de acordo a coisa ficou por ali. Entretanto, surgiu um belo livro sobre o Perdigueiro Português, da autoria de Jorge Rodrigues, numa luxuosa edição da Inapa, e o do Padre Barroso voltara a ser reeditado, e a lacuna ficou colmatada.

Encontro-me há anos afastado da actividade de juiz de provas de cães de parar e não voltei a dedicar atenção ao Perdigueiro Português. Não sei como vai a raça em termos de qualidades de trabalho nem em relação à preferência dos caçadores. Apesar disso, julgo que os materiais que ainda possuo, provenientes dos estudos que efectuara, uns publicados no Boletim da Associação do Perdigueiro Português, outros ainda inéditos, mereciam ser divulgados. Passados que estão quase trinta anos sobre o lançamento daquele meu livrinho, quem sabe se um destes dias não ganharei a disposição para o reescrever. Quem sabe!