segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Na república das bananas à beira-mar plantada, os peneireiros apressam-se e esforçam-se para imitarem os falcões…


Segundo foi noticiado:

-na Base Aérea das Lajes (vulgo, Base Aérea americana) transitaram mais de uma dezena de caças da força aérea dos EUA, no âmbito dos acordos de utilização em vigor;
-vai ser enviado para a Roménia, no âmbito da NATO, um contingente militar de mais de um milhar de homens, que se encontra em treino intensivo na Serra da Estrela há algumas semanas;
-vai ser enviada para a Ucrânia ajuda militar em equipamentos vários, alguns de última geração, como as famosas e sofisticadas espingardas automáticas alemãs G3, com mais de sessenta anos de eficácia comprovada, com que o exército da república está equipado desde os inícios da guerra colonial (na qual mostraram a sua superioridade face à corriqueira, quiçá ultrapassadíssima, AK47, aka kalashnikov, kalash, etc.);
-na mesma Base Aérea das Lajes transitaram vários caças britânicos, no âmbito de acordo de utilização secreto ou desconhecido.

Nem o Ministério da Defesa nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros nem o Primeiro-Ministro em exercício nem o afectuoso Presidente da República se dignaram a informar a opinião pública de que nos tempos interessantes que correm a utilização da Base Aérea das Lajes passou a ser gratuita e para quem necessite da sua utilização para qualquer fim. Nem tão pouco uma justificaçãozinha, que estou certo teria aceitação pública.


sábado, 26 de fevereiro de 2022

Nuvens negras no horizonte: a China acautela-se e envia recados aos EUA


Da leitura dos jornais e da net retenho dois factos que me parecem relevantes sobre a posição da China face ao que está acontecendo com a invasão da Ucrânia pela Rússia: a rejeição de afirmações do governo dos EUA de que a ofensiva da Rússia teria tido a compreensão ou o apoio do governo chinês e o estreitamento das suas relações bilaterais com a Coreia do Norte.

A China foi constituída como principal inimigo pelos EUA — a potência imperialista dominante, mas que vê esse domínio ameaçado, para quem a guerra permanente é o instrumento de sobrevivência — e sabe que irá ser o próximo alvo do imperialismo norte-americano. A recente aliança militar constituída pela Austrália, Reino Unido e EUA para a região Indo-Pacífico (AUKUS), visando conter a sua crescente influência na região, é um claro exemplo do que está em preparação. Em função da tradicional agressividade norte-americana, a China acautela-se enviando recados significativos. Transcrevo:


“Posição da China”

“A China respeita a soberania e a integridade territorial de todos os países, e também entende as preocupações de segurança razoáveis da Rússia, já que uma história complexa e especial está por trás da questão da Ucrânia, disse o conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores Wang Yi ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.

Falando com Lavrov por telefone, Wang disse que a China pede uma renúncia completa a qualquer mentalidade da Guerra-Fria, bem como um sistema de segurança para a Europa que seja equilibrado, eficaz e sustentável e alcançado por meio de diálogo e negociações.

Lavrov disse que a Rússia foi forçada a tomar as medidas necessárias, já que os Estados Unidos e a OTAN voltaram atrás com as suas promessas de não expandir a organização para o leste, se recusaram a implementar o acordo de Minsk II e violaram a Resolução 2202 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Hua Chunying, disse também que a Rússia, um grande país independente, decide e implementa sua diplomacia e estratégias com base em seu próprio julgamento e interesses nacionais. Acrescentou que os laços China-Rússia são de não aliança, não confronto e não visam terceiros.

Hua fez estas declarações numa conferência de imprensa depois de o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, ter dito que a China deveria instar a Rússia a “recuar” e “reduzir” as tensões com a Ucrânia, e ter acrescentado que a crescente parceria China-Rússia é “preocupante”.

Sobre a sugestão dos EUA de que Moscovo fez a operação militar porque ganhou o apoio da China, Hua disse acreditar que o lado russo ficará “muito descontente ao ouvir tal ideia”. Os laços China-Rússia são fundamental e essencialmente diferentes dos “pequenos grupos” que os EUA vêm procurando, baseados em linhas ideológicas, para criar confronto e separação, disse Hua.

A China não está interessada e não pretende imitar a mentalidade de 'inimigo ou amigo' da Guerra-Fria ou a prática de remendar as chamadas 'alianças' e 'pequenos grupos'", acrescentou.

Hua disse ainda que os EUA não estão qualificados para dizer à China o que fazer para respeitar a soberania dos Estados e a sua integridade territorial. A China tem salvaguardado consistente e firmemente os princípios da Carta da ONU bem como as normas básicas que orientam as relações internacionais.

Os EUA, no entanto, nos 250 anos desde a sua fundação, não se abstiveram de realizar operações militares noutros países. Esse país certamente tem uma compreensão diferente da nossa quanto a respeitar a soberania dos Estados e a sua integridade territorial, disse Hua. A comunidade internacional sabe isso claramente.

Quando perguntado se a China forneceu ou planeia fornecer armas à Rússia, Hua disse que a China não toma a iniciativa de fornecer armas a outros que enfrentam o risco de conflito, “ao contrário dos EUA, que forneceram uma grande quantidade de equipamentos militares à Ucrânia”.


China anuncia cooperação com a Coreia do Norte tendo em conta “nova situação”

“O presidente da China, Xi-Jinping, anunciou esta madrugada de sábado uma nova fase de cooperação entre Pequim e Pyongyang numa não especificada “nova situação” que, segundo afirma, se vive, como é noticiado pela agência estatal norte-coreana e reportado pela AFP.

A Coreia do Norte realizou uma série inédita de sete testes de mísseis em Janeiro, incluindo o seu mais poderoso do género desde 2017, numa altura em que as negociações com os Estados Unidos estão absolutamente paradas.

No entanto, os testes não se realizaram durante o período dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, naquilo que muitos analistas entenderam tratar-se de uma decisão tomada em deferência com Pequim.

A China é o mais importante aliado da Coreia do Norte e o seu maior fornecedor económico, numa relação que foi forjada no resultado da Guerra da Coreia dos anos 50.

Segundo noticia a agência oficial norte-coreana KCNA, o presidente chinês enviou ao seu homólogo norte-coreano uma mensagem afirmando estar pronto para “desenvolver as relações sino-norte-coreanas de amizade e cooperação” tendo em conta uma “nova situação”.

A KCNA não elabora sobre que “nova situação” Xi-Jinping se estará a referir nem o que implica. A Coreia do Norte está a sofrer uma profunda crise devido a um bloqueio às importações auto-imposto devido ao coronavírus, mas reiniciou no mês passado o comércio transfronteiriço com a China”.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Invasão da Ucrânia: o sonho imperial de um novo pequeno Czar de recriação da velha grande Rússia?


Ficou patente que a Guerra-Fria não visava apenas a luta contra o comunismo, mas contra a existência da Rússia (da URSS, como sucessora do Império da Rússia) como grande potência económica e militar. Enquanto países que abandonaram o comunismo, uns saídos do Pacto de Varsóvia e outros da desintegração da URSS, foram sendo admitidos na NATO e na UE, a Federação Russa, país que sucedeu à República Socialista Federativa Soviética da Rússia e a mais umas quantas pequenas repúblicas, viu serem-lhe negadas idênticas pretensões. Compreende-se, pois a sua admissão destituiria a NATO de sentido, visto ter sido criada precisamente para a guerra contra a Rússia (enquanto URSS) como grande potência geopolítica e militar. Os vencedores da Guerra-Fria, os EUA, através da NATO, contra o que fora prometido aquando das negociações para a reunificação da Alemanha, concluída em 31 de Agosto de 1990, foram assim aproximando-se das fronteiras da Rússia (com a admissão na aliança da Polónia, da Chéquia e da Hungria, em Junho 1999, e da Estónia, da Letónia, da Lituânia, da Eslováquia, da Eslovénia, da Roménia e da Bulgária, em Abril de 2004), passando mesmo a identificá-la como um dos seus dois grandes inimigos (ainda que não o principal). Identificando a Rússia como inimigo, enfraquecê-la e reduzi-la à condição de potência regional é um dos objectivos estratégicos traçados pelos EUA, e será também um objectivo desejado, em surdina, por exemplo, pelos países bálticos, pela Polónia (e quem sabe por mais quem na UE), assim como pela Ucrânia, pela Geórgia e por outros. A instalação de bases de misseis nos países vizinhos da Rússia (Bulgária, Polónia e Roménia) directamente apontados para o seu território e a crescente intromissão na Ucrânia, provocando a sua desestabilização política, fomentando a russofobia e assegurando o seu rearmamento, inserem-se naqueles objectivos geo-estratégicos dos EUA.

Para o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que passou a classificar a desintegração da URSS como “uma tragédia geo-estratégica”, a evolução da nova realidade política do mundo pós comunismo, e a concomitante redução da importância política que nele passou a ter a Rússia (pelo território, população e economia inferiores aos da URSS), adicionada ao aumento dos riscos para a sua segurança, não é de todo aceitável, como alertou claramente no seu discurso de 10 de Março de 2007, proferido na Conferência de Política de Segurança realizada anualmente em Munique. Colocava-se-lhe a questão de como se opor à evidente ofensiva de expansão da influência norte-americana, nesta zona do globo via aliança militar NATO, e restaurar a sua segurança: defendendo-se, rearmando-se, para conter a ameaça (manifestamente insuficiente), ou atacando, para reduzi-la, invadindo a Ucrânia para mudar-lhe o regime político e impedir a sua admissão na NATO, para consolidar a integração da República Autónoma da Crimeia à Federação e a secessão das províncias de Donbass (que entretanto, em 2014, se haviam constituído como República Popular de Donetsk, em 7 de Abril, e como República Popular de Lugansk, em 27 de Abril, embora não reconhecidas internacionalmente, nem mesmo pela Federação Russa, que só as reconheceu em 21 de Fevereiro de 2022) e, em simultâneo, eventualmente para tentar conquistar alguma faixa de território para assegurar-lhes o acesso ao mar. A opção pelo enfrentamento da política agressiva e expansionista dos EUA foi a que a Rússia teve a ousadia de tomar, através da invasão da Ucrânia.

Após a queda do regime pró russo da Ucrânia pelo golpe de Estado de 2014 (sobre o qual já não restam muitas dúvidas acerca do envolvimento, principalmente, dos EUA e da Grã Bretanha no financiamento e na preparação, e dos EUA até na participação, através da intervenção directa do Embaixador e de uma Subsecretária de Estado, a “que se foda a UE”) e da retoma da pretensão de admissão na NATO e de adesão à UE assumida pelo novo regime dele saído, inscrita na Constituição, quebrando a neutralidade prometida aquando do reconhecimento da sua independência pós URSS (pelo Acordo de Budapeste, de 1994), as primeiras respostas da Rússia foram a integração da Crimeia, que até 1954 não fizera parte da Ucrânia e desde então passara a constituir uma sua região autónoma, e a denúncia do não cumprimento dos acordos de Minsk (Minsk I, de Setembro de 2014, e Minsk II, de Fevereiro de 2015), patrocinados por si e pela Alemanha e a França, firmados pelo governo ucraniano com os representantes das províncias de Donbass de maioria russófona, após as derrotas militares das forças governamentais nas investidas contra elas. Os acordos de Minsk, para além das alterações constitucionais que consagravam no plano interno — o reconhecimento da autonomia daquelas províncias e o respeito pela sua língua e as suas tradições culturais — constituíam também um instrumento diplomático de garantia de que a pretensão de adesão à NATO não seria concretizada.

Sintomaticamente, esses acordos não foram cumpridos, e as potências europeias que os patrocinaram nada fizeram para que fossem, apesar do aumento da repressão das populações russófonas e da comprovada escalada de agressão militarizada aos seus territórios. Até aí, a Federação Russa considerara o conflito como uma questão interna da Ucrânia; só depois do não cumprimento daqueles acordos, e após aquelas regiões se terem constituído como Repúblicas Populares e de terem solicitado formalmente a intervenção em seu auxílio, a Federação Russa desencadeou a invasão da Ucrânia, violando o direito internacional. Embora a entrada da Ucrânia para a NATO tenha sido vetada, na Cimeira de Bucareste, em 2008, pela Alemanha e pela França, ela continuou sendo explicitamente prometida. O contratempo não a impediu, no âmbito do estatuto de país terceiro, de beneficiar de substancial aumento das ajudas em equipamento e em assistência militar (que atingem, desde 2008, o valor de muitos milhares de milhões de dólares, adiantados pelos EUA, Grã Bretanha, França, Alemanha, etc., mas que alguém irá ter de pagar com língua de palmo em dólares ou em servidão aos amigos), assim como também não a impediu de participar em exercícios da NATO ocorridos em países vizinhos e de realizar, no seu território, exercícios militares terrestres, aéreos e navais conjuntos com vários países da NATO (os últimos dos quais ocorreram em Julho de 2020 e em Setembro de 2021), tendo os exercícios navais sido realizados violando as convenções que regem o estacionamento e a navegação de navios de guerra no Mar Negro (a velha Convenção de Montreaux, de 1936). Além do mais, a Estratégia Nacional de Segurança e a nova Estratégia Militar da Ucrânia (aprovadas, respectivamente, em Setembro de 2020 e em Março de 2021) e a declaração de abandono do Acordo de Budapeste de 1994 feita pelo comediante presidente Zelensky na Conferência de Política de Segurança de Munique, em 19 Fevereiro de 2022, insinuando que o seu país iria produzir armas nucleares, mostravam sem margem para dúvidas que a Ucrânia definira a Rússia como inimigo e que o seu objectivo, com a ajuda da NATO, era a guerra contra ela, servindo os interesses dos EUA. Enquanto Estado corrupto e praticamente falhado, a Ucrânia era mais útil ao imperialismo norte-americano fora do que dentro da NATO, nomeadamente para ser usada como instrumento de permanente provocação e desestabilização da Federação Russa, o que veio a ser sobejamente comprovado.

A estas inquietações acresce a invocação do pretexto histórico de que a Ucrânia e a Bielorrússia constituiriam partes importantes da grande pátria russa, e que todos seriam “o mesmo povo”, com origem precisamente na Rússia de Kiev, antes mesmo do surgimento da Rússia da Moscóvia e da sua unificação (nos meados do século XV), fortemente enraizado entre a população russa mais idosa, e de que a criação da Ucrânia como Estado independente pelos comunistas em 1921 fora um erro histórico. A mitologia da tradição de uma história comum de séculos parece ser pacificamente aceite pela Bielorrússia, mas não pela Ucrânia. Em conformidade, se hoje constituem Estados independentes e soberanos só o poderão continuar sendo se forem aliados e com ligações políticas à Rússia ou, no máximo, se não lhe forem hostis. A história, contudo, não é tão simples nem linear como a apresenta a Rússia. Nem o que é a Ucrânia moderna permaneceu em continuidade ligada à Rússia (à ancestral Grande Rússia, ou Rússia de Kiev e Rússia da Moscóvia), nem o seu povo é o mesmo que o da Rússia, pela mesma razão de que os povos da Finlândia, dos países bálticos e da Polónia não são os mesmos que o da Rússia, apesar desses países, durante muitos anos, terem estado integrados na Rússia Imperial, e do mesmo modo que o povo da Rússia não é o mesmo que o da Suécia ou que o da Dinamarca, de onde se crê poderão ter surgido os povos e a civilização comwercial fluvial que deram origem à Rússia, nem a criação (mais correctamente, o reconhecimento) da Ucrânia como Estado independente pelos comunistas pode ser classificada de erro histórico, porque constituía uma reivindicação legítima dos seus povos, que eles aceitavam e defendiam. A Ucrânia e a Rússia estão ligadas por muitos laços étnicos e culturais e por muitos anos de convivência chegada sob o domínio do mesmo Estado imperial e, depois, por integração na URSS; têm portanto uma longa história comum, mas são também entidades nacionais distintas.

Por razões e em épocas diversas, algumas regiões ocidentais e centrais da Ucrânia — em tempos integradas no reino da Polónia e Lituânia, e onde, por exemplo, nos inícios do século XIX terá nascido a actual língua ucraniana escrita, distinta quer do Polaco, quer do Russo — foram ganhando características culturais próprias, com uma Igreja Católica de rito grego, diferente quer da Igreja da Polónia (de rito romano) quer da Igreja da Rússia (de rito bizantino), e em muitos outros aspectos tiveram de ser re-russificadas. Aí, principalmente entre a intelectualidade e a nobreza latifundiária, floresceram sentimentos anti-russos (e, mais tarde, também anti-comunistas) e fortaleceu-se o singular nacionalismo ucraniano moderno. Desde o último quartel do século XVIII até ao fim da primeira guerra mundial, as mais ocidentais destas regiões (a Galícia e a Lodoméria) estiveram sob o domínio do Império Austro-Húngaro, e depois, até 1939, da Polónia, sendo integradas na Ucrânia actual quando aquele país foi invadido pela Alemanha e pela URSS, no âmbito do pacto Germano-Soviético. No período entre guerras e até aos anos cinquenta do século XX, a História destas regiões da Ucrânia foi muito conturbada, por um lado, dramática, devido à colectivização forçada e à repressão e à fome em grande escala que dela resultaram; por outro lado, mesmo negra, devido ao surgimento de organizações nacionalistas fascistas e nazis, racistas, aliadas do exército de invasão nazi e participantes em massacres de muitos milhares de nacionais ucranianos (cristãos e judeus). As regiões orientais, que talvez ainda sejam as mais genuínas representantes da antiga Rússia de Kiev e, em simultâneo, as que estiveram mais tempo em continuidade ligadas à Rússia Imperial, mantendo a língua e a cultura russas, manifestavam igualmente um sentimento nacional ucraniano, e os seus povos, tal como hoje, não se sentiam menos ucranianos do que os das regiões centrais e ocidentais. As ideias, veiculadas pelo Presidente da Federação Russa, de que o povo da Ucrânia é o mesmo que o da Rússia e de que a Ucrânia é um Estado artificial cuja criação residira num erro dos comunistas em 1921, portanto, não reflectem uma realidade que é certamente muito mais complexa.

Este é o quadro ideológico e político em que parece mover-se o Presidente Vladimir Putin, o novo pequeno Czar da Rússia. Se corresponder à realidade, a Federação Russa tem razões mais do que suficientes para temer pela sua segurança e até pela sua integridade. Falhada a via diplomática de cumprimento do acordo de Minsk II, perante o agravamento da repressão cultural, política e militar contra as populações russófonas das auto-proclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, causadora, em ambos os lados, de cerca de 14 000 mortos e de avultados estragos materiais, mais tarde ou mais cedo a guerra em seu socorro tornava-se inevitável. Antes que fosse tarde, essa hipótese terá ido sendo consolidada e, depois, preparada com tempo, pelo menos no seguimento da modernização do exército que ocorreu após a intervenção militar na Geórgia em 2008. Para que não restassem grandes dúvidas, as chamadas manobras militares conjuntas com a Bielorrússia, permitindo a deslocação de forças para junto da fronteira com a Ucrânia e constituídas no imediato como treino operacional das tropas e como instrumento de dissuasão, só enganavam aqueles que pretendiam ser enganados (como encenou o Presidente ucraniano). Falhado o efeito dissuasor, a invasão era apenas questão de oportunidade, para suster a iminente nova ofensiva militar contra as repúblicas separatistas (que se concretizou em 17 de Fevereiro, como comprovou a OSCE). Teria de ser rápida, para não suscitar grande animosidade popular contra os invasores, e sem graves danos colaterais, para não pôr em causa a mitologia de que os povos da Rússia e da Ucrânia são “o mesmo povo”. Os serviços de espionagem no terreno (americanos e outros) sabiam perfeitamente que ela estava iminente, e só devido aos Jogos Olímpicos de Inverno, e por deferência para com a China, a sua eclosão foi atrasada uma semana. O discurso de Putin em 21 de Fevereiro confirmava-a plenamente.

Não deixa de ser preocupante a irresponsabilidade e o aventureirismo demonstrados pelo actual Presidente ucraniano. Contrariando as promessas com que fora eleito, ele não só continuou a não honrar os acordos de Minsk subscritos pelo anterior Governo, permitindo inclusive a continuação das agressões às Repúblicas russófonas (agravadas no campo cultural com a imposição do ucraniano como língua única nos serviços do Estado e com o ensino do russo apenas como segunda língua), como desvalorizou o risco de invasão e da guerra de agressão (talvez num verdadeiro acto de pantomina devidamente ensaiado), e depois, ao jeito de fanfarronices infantis, subiu a parada contrapondo à diplomacia e às sanções económicas para a resolução do conflito iminente a necessidade de ajuda militar ao seu país (no que foi acompanhado por outros falcões políticos europeus, entre eles o pouco credível e despenteado P-M britânico) e até de intervenção militar da NATO, instando à resposta a uma guerra localizada com a guerra generalizada na Europa Central. Um Presidente de um país ameaçado que deu a entender desvalorizar as ameaças, não recorreu à diplomacia e não teve em conta a sua real capacidade de defesa perante a desproporção de forças e a gravidade do conflito — eventualmente escudado em falsas promessas de intervenção directa em seu auxílio que lhe terão feito, como tem insinuado e repetidamente solicitado — procurando usar a agressão de que o país é vítima para alcançar objectivos inaceitáveis pelo agressor, se não é suspeito de levianamente a ter procurado, é tudo menos um Presidente previdente e responsável. A evolução da situação, porém, está transformando-o em herói, mais parecido aos quixotescos heróis românticos que os media gostam de fabricar do que aos verdadeiros heróis.

Tratava-se da ameaça de uma guerra de agressão e do drama humanitário e económico causado pelos milhares de mortos e de feridos e pela destruição de infra-estruturas e edificações de todo o tipo, enfim, do horror que as guerras provocam, não de qualquer comédia humorística a que o jovem Presidente estará habituado. Tudo leva a crer, portanto, que alguns países da NATO, através de dirigentes políticos e dos muitos quadros militares e dos serviços de espionagem estacionados na Ucrânia, que eventualmente integrarão o lote dos conselheiros de apoio ao Presidente, ao governo e às forças armadas e controlarão os partidos de extrema-direita e as organizações e grupos ultra-nacionalistas, fascistas e neo-nazis, poderão não ser alheios ao que está sucedendo. Além do mais, sendo de ascendência judia, o jovem Presidente revela grandes lacunas culturais no que respeita à História dos judeus do seu país nos últimos oitenta e poucos anos. Deveria ao menos procurar saber quantos dos dois milhões de judeus ucranianos restaram após a II guerra mundial e qual o papel desempenhado pelas organizações e grupos ultra-nacionalistas, fascistas e nazis, ucranianas na tentativa do seu extermínio. Talvez compreendesse que o fortalecimento das organizações de extrema-direita e dos grupos ultra-nacionalistas, fascistas e neo-nazis, existentes no país desde o início do século, herdeiros dos antigos pelo similar ideário xenófobo, e até racista, anti-russo, é muito preocupante, e que o apoio que deles recebe é muito pouco recomendável.

As verdadeiras razões do conflito que se desenrola na Ucrânia, por tudo isto, estão muito para além das que são veiculadas pela propaganda, quer da Federação Russa, quer da UE e dos EUA, e todos se esforçam para escondê-las ou dissimulá-las. Para além das que são evidentes, mas não divulgadas com o realce devido pelos grandes media, de aumento da ameaça à segurança e à integridade da Federação Russa através da expansão da NATO e da imediata corrida geral aos armamentos, não é difícil descortiná-las. A Federação Russa, fundamentalmente, pretende repor o anterior nível da sua segurança e cobiça o controlo do outro grande celeiro da Europa (para além dela própria) que é a Ucrânia e da importante indústria mineira e metalúrgica da região de Donbass (uma das grandes produtoras do aço da extinta URSS). A UE (ou a potência industrial que a domina e dirige, a Alemanha), para além de cobiçar o celeiro (de que está dependente e que com o petróleo russo já motivara a Alemanha nazi para a invasão em 1941 da então URSS), junta a isso poder usufruir dos despojos da partilha do petróleo, do gás e de outras matérias-primas locais e conquistar um amplo mercado potencial de mão-de-obra barata e educada. Os EUA, para além de pretenderem constituir-se como alternativa à Federação Russa para o fornecimento de gás à Europa — atingindo principalmente a Alemanha, a potência industrial que mais tem beneficiado dos baixos preços do gás russo — e de usufruírem da guerra permanente como fonte de negócio, pretendem fortalecer-se para a sua aspiração a potência imperialista hegemónica; num primeiro acto enfraquecendo a Federação Russa, debilitando-a economicamente com o prolongamento da aventura militar e com a guerra económica sem paralelo que lhe moveu (acrescida do confisco, à margem da lei, de bens e de activos de indivíduos, de empresas e de bancos), depois, fomentando mudanças no regime político, e, por fim, transformando-a numa potência regional e, eventualmente, fragmentando-a (como defendeu, desde 1997, Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro de segurança do presidente dos EUA James Carter). E alguns dos países tornados independentes com a desintegração da URSS (com a Lituânia à cabeça, país onde a xenofobia russófoba raia o racismo e constitui um exemplo de servidão ao imperialismo norte-americano) acalentam iguais desejos de enfraquecimento e da redução da Federação Russa à condição de potência regional, seja por ódio, por vingança ou por os considerarem importantes para a sua própria segurança.

Com um tal objectivo conseguido, debilitada e humilhada a Rússia, reduzida à condição de potência regional, a prazo não muito longo abrir-se-iam amplas oportunidades de negócio para as potências europeias e para os EUA, das fontes de matérias-primas metalúrgicas e energéticas à mão-de-obra barata e dócil. Deixariam assim de ficar tão dependentes da China como "a grande fábrica do mundo", o que seria meio caminho andado para a sua asfixia económica e posterior isolamento e, imagine-se, para a consagração dos EUA como a única potência imperialista mundial, tal é o seu grandioso objectivo para este século. É claro, falta imaginar como se comportariam as diversas potências que integram a UE, mesmo que esta fosse transformada no curto prazo também em potência militar (autónoma ou, o mais provável, ainda transitoriamente integrada na NATO), perante o inevitável surgimento de contradições de interesses inter-capitalistas. A este propósito, é bom não esquecer o passado belicista e expansionista da Alemanha, para além das linhas de banda que julgo mesmo os mais jovens conhecerão, e o natural ressentimento, mais do que justificado, que a Polónia nutre contra ela por esse passado de horror de que também foi vítima. Um tal cenário seria tudo menos animador, não para o planeta, mas para a Humanidade, e não por causa do aquecimento global e das alterações climáticas. Vale que o futuro reside apenas na arte das cartomantes, que apesar das "comprovadas" adivinhações são dotadas de pouca sorte e costumam não acertar nas lotarias.

A Ucrânia ainda é quem tem apresentado de forma menos disfarçada os seus objectivos próprios, que entende vitais para o seu desenvolvimento económico e social e a sua segurança. Ao juntar à legítima pretensão de adesão à UE a intenção de admissão na aliança militar NATO, cometeu um grave erro político, servindo de peão de brega de outros interesses que extravasam dos seus e que a arrastaram para uma aventura a todos os títulos desastrosa. Poderia ter conseguido o objectivo da adesão à UE com reformas democráticas que a configurassem como um autêntico Estado de direito democrático e com alterações constitucionais que a definissem como um Estado multinacional, respeitador dos direitos das minorias étnicas e culturais, e neutral em termos de alianças militares. Isso, certamente, não faz parte do projecto político ultra nacionalista de extrema-direita das suas classes dominantes, visando a criação de um país etnicamente puro (imaginariamente não eslavo ou seja lá o que for para quem o defende), a partir da expansão das etnias das regiões mais ocidentais (de maior influência étnica e cultural germanizada, como se julgam as elites polaca e lituana) e de repressão e subjugação das minorias étnicas, claramente xenófobo e anti-russo; e também não interessava a quem a financiava, equipava, aconselhava e usava. O caminho seguido, o recurso ao golpe de Estado para deposição de um Presidente eleito, a receptividade ao ideário ultra nacionalista de extrema-direita, fascista e neo-nazi, e o uso da violência na repressão cultural, política e militar da minoria russófona, reflexo do reacendimento e incentivo de ódios e ressentimentos vários, acaba por não dar garantias futuras de respeito pela democracia representativa. Nesta situação, se a UE abrir excepções para o processo da sua adesão, será a credibilidade da própria UE que ficará em causa.

O novo pequeno Czar da Rússia pretenderá ultrapassar o legado do triste papel desempenhado pelo presidente bêbado Boris Yeltsin, que liderou a desintegração da URSS e a venda dos seus meios de produção a pataco provocando uma grave crise económica e social, acontecimento que desde há uns anos parece ter passado a lamentar. Ao contrário da desintegração da URSS, inevitável, porque o comunismo cumprira o seu papel de substituição da incapaz burguesia russa e acabou por ruir devido à sua ineficácia, o que se seguiu é que pode ser considerado com inteira propriedade uma verdadeira tragédia. Antes de mais, o não acautelamento dos direitos políticos e culturais das minorias russas, étnicas ou de falantes, residentes nos países saídos da URSS aos quais foi reconhecida a independência e que até aí tinham sido cidadãos de pleno direito de uma pátria comum multinacional; depois, a não resolução das questões relativas às parcelas territoriais atribuídas artificialmente à Ucrânia pela URSS, nomeadamente, parte do Donbass e a Região Autónoma da Crimeia, de longa data importante para o acesso da Rússia ao mar a sul. Como se viu, a incapacidade da nova burguesia russa em acautelar os interesses geo-estratégicos do país e os direitos das populações russas foram as causas principais dos problemas geopolíticos que o novo regime teve de enfrentar e das intervenções militares em que teve de envolver-se.

O descalabro económico e social provocado pela derrocada dos regimes políticos comunistas não se circunscreveu à Rússia, pois em vários desses países ocorreram cenários parecidos de delapidação dos meios de produção do Estado e do aparecimento de oligarquias corruptas e parasitárias de novos burgueses. Enquanto uns desses países entraram em decadência e ainda hoje permanecem praticamente estagnados (por exemplo, os casos da Roménia, da Bulgária e da Moldávia, apesar da integração dos dois primeiros na UE e dos vultuosos fundos que dela receberam), outros, que se abriram ao investimento estrangeiro, apesar das dificuldades da consolidação de regimes políticos democráticos, desenvolveram-se e ultrapassaram os níveis de desenvolvimento que tinham à data da queda dos regimes comunistas (também, por exemplo, os casos da Polónia, da Chéquia, da Hungria e mesmo da Eslováquia, todos integrados na UE), o que espelha bem a incapacidade de algumas das novas burguesias para desenvolverem os seus países. O caso mais escabroso acabou por ser o da Ucrânia, o maior e mais rico dos países saídos da URSS, que em poucos anos foi transformado no país mais empobrecido e corrupto da Europa, e onde vivia, desde longa data, uma grande minoria de população etnicamente russa e russófona. Com o país a saque por uma classe emergente de oligarcas, a ânsia de modernização ocidentalizada motivada pela pobreza chegou à nomeação de estrangeiros para cargos ministeriais de relevo e à total submissão às políticas do FMI, num grau de desprezo pela soberania nacional nunca antes visto noutro país europeu. O falhanço de tais políticas conduziu ao abraçar da última bóia de salvação: a pretensão de admissão na NATO e de adesão à UE, sem que reunisse os requisitos mínimos, o surgimento de milícias ultra-nacionalistas, fascistas e neo-nazis, e o eclodir de um golpe de Estado de extrema-direita. Esta é a Ucrânia agora tão acarinhada, o Estado falhado vendido aos interesses dos EUA para a sua permanente provocação à Rússia e, ao mesmo tempo, para o seu ataque à UE.

A debilidade económica da Federação Russa — com território e população muito inferiores aos da URSS, e cujo aparelho produtivo herdado, em grande parte obsoleto, só muito lentamente foi sendo renovado, constituindo a causa da decadência da sua importância política no plano internacional — torna a recuperação do prestígio perdido uma empreitada avassaladora. A recuperação económica — baseada num capitalismo local em grande parte especulativo, bolsista e rentista, com base em matérias-primas energéticas e metalúrgicas, vergonhosamente sumptuário e ostentatório, e em investimentos produtivos do capital europeu e internacional em bens de consumo, ainda que com um pouco mais de regras de transparência, com um mercado de trabalho desregulado e de salários baixos (comparável, em muitos aspectos, ao que se passa no capitalismo de Estado chinês em associação com o capital internacional e no capitalismo selvagem norte-americano) — que ocorreu desde que o novo pequeno Czar chegou ao poder, apesar da estagnação provocada pela actual crise do capitalismo, é inegável, ainda que insuficiente. Essa é a obra já feita, faltando-lhe para completar o legado restituir ao país o respeito de que o acha merecedor no plano geopolítico. Antigo espião, com inteligência reconhecida, à beira dos setenta anos, o novo pequeno Czar tem a sabedoria suficiente para saber que está em jogo não só o futuro da Rússia herdada da URSS como o seu próprio futuro (lembrar-se-á do que tem acontecido a outros dirigentes políticos de países "libertados" pelos EUA). Neste cenário, o recurso à ameaça da utilização de armas nucleares, caso as forças da Federação Russa sejam atacadas por países terceiros, deverá ser encarada como real, porque é o meio de mantê-los fora da intervenção directa e a garantia de alcançar os objectivos traçados. Perante tamanhos perigos, que mais restava ao novo pequeno Czar?

O crescimento da animosidade contra a Rússia e a população russófona, apesar da Federação Russa ter substituído a UE na concessão da ajuda económica de emergência negada à Ucrânia para o período de pré adesão ao tempo do governo pró russo de Viktor Yanukovich, e a aparente debilidade da unidade da NATO, levou-o a cometer diversos erros políticos (ou, conscientemente, a enveredar por uma aventura muito arriscada), ao optar por passar ao ataque em vez de se ficar pela defensiva. A integração da Crimeia na Federação, em 2014, e, depois de falhada a diplomacia, o apoio ao separatismo das regiões de Donbass, em clara violação do direito internacional, indiciavam o seu projecto. Para o novo pequeno Czar, portanto, a invasão da Ucrânia é, literalmente, a cartada da sua vida! Será, como o pintam, um louco genocida? Será, como também o caricaturam, um novo Hitler com pretensões expansionistas? Será, por fim, um déspota ambicionando restaurar a velha grande Rússia? Não creio, e acredito que seja apenas um autocrata nacionalista de direita, um novo pequeno Czar da Rússia, um entre muitos chauvinistas grão russos, a defender a sua visão de melhor servir os interesses do capitalismo russo, no caso, no que respeita à segurança e à integridade territorial do país face à ameaça do imperialismo norte-americano. E que estará condenado, de um modo ou de outro, a aceitar à sua beira uma Ucrânia independente e soberana, não hostil, eventualmente resultante da divisão ou da reconfiguração das fronteiras da actual.

No meio desta tragédia, a reacção dos media e do comentariado que os povoa condenando a invasão é a todos os títulos louvável. Mas é significativo o contraste que ressalta entre a condenação de agora, baseada numa despudorada campanha de manipulação, e o aplauso que mereceram outras invasões e ocupações de outros países soberanos (Iraque-1991, Jugoslávia-Bósnia-1996, Sérvia-Kosovo-1999, Afeganistão-2001 a 2021, novamente Iraque-2003, Líbia-2011, Síria-2014, etc., para relembrar apenas as mais importantes dos últimos trinta anos, deixando de lado as actuais intervenções em África) perpetradas pelos EUA e os seus aliados (Austrália, Grã Bretanha, França, Polónia, etc.) ou via NATO, sob pretextos ridículos. Para factos do mesmo tipo, as clivagens ideológicas geraram dois pesos e duas medidas. Compreende-se! Desta vez, a guerra é na Europa de Leste, aqui tão perto, coisa que já não acontecia com esta dimensão desde há setenta anos, e o agressor é um país identificado pelos EUA como seu inimigo e o agredido é um seu amigo. Em conformidade, a diabolização e a criminalização dantes feita dos agredidos é agora feita do agressor. Que respeito merece tamanha hipocrisia? Os jovens jornalistas estão desculpados, já que dominam mal a deontologia e não têm nem memória nem formação adequada, porque nas redacções deixou de existir quem as tenha, mas nada absolve os restantes trastes.


ADENDA (2022.02.26)

Hoje de manhã fui surpreendido pelo e-mail de um velho amigo, ainda nostálgico do comunismo e do estatuto de grande potência da URSS. Remeti-o para o texto do post (aproveitando o pretexto para mais tarde reeditá-lo) e acrescentei umas quantas apreciações em jeito mais coloquial. De entre elas, respigo para aqui este parágrafo:

“Muito me engano ou a Rússia caiu na ratoeira armada por uma continuada provocação e já perdeu a guerra de agressão que desencadeou. Começou por perdê-la no plano da propaganda e da comunicação de massas, com a escassez de informação sobre a repressão desencadeada contra as populações russófonas e de denúncia do cariz anti-democrático do governo ucraniano (um “bando de drogados e nazistas”, como o caracterizou, refém da extrema-direita nacionalista e de milícias fascistas neo-nazis) e sem a identificação clara dos seus objectivos e a sua ampla difusão. Continuou perdendo-a no plano político, ao abandonar os esforços diplomáticos para o cumprimento do acordo de Minsk II e ao substituí-los pela manifestação de força das manobras na Bielorrússia e pela insinuação da sua condição de potência nuclear. E, sem um exército profissional substancial e bem equipado para a guerra electrónica moderna, perdê-la-á no plano militar se não a concluir rapidamente e com objectivos limitados, claros, proporcionais e aceitáveis por ambas as partes. Ao pretender responder à permanente humilhação e reconquistar o prestígio perdido, o gigante de outrora, afinal, poderá ter pés de barro e mais frágeis do que ele próprio julga. Para já, o tiro parece estar a sair-lhe pela culatra: revitalizou a NATO, acentuou o seu reforço junto às suas fronteiras (e a ameaça da sua extensão à Finlândia) e espoletou o seu apoio político e em armamento à Ucrânia; e depois o mais que se verá”.


ADENDA II (2022.02.28)

Com tantos erros cometidos até agora, fruto da deficiente planificação e logística da operação e da impreparação das forças no terreno, quando a aviação de combate "ucraniana", deslocada para os países da NATO vizinhos (porque não consta que qualquer avião de combate ucraniano tenha sido abatido nestes quatro dias que leva a guerra, apesar da anunciada destruição de aeroportos militares) ou deles levantando voo (eventualmente, alguns dos que passaram recentemente pela Base das Lajes, já devidamente caracterizados) entrar em acção, provavelmente estará ditada a sorte da guerra de agressão.

A escalada do conflito é também uma hipótese não descartável, visto estranhamente ninguém estar a apelar à paz nem a oferecer-se para o mediar e, ao invés, todos se apressarem a tomar partido contra a Rússia e a correr ao seu próprio rearmamento. Se alastrar à Bielorrússia, por iniciativa deste país em socorro da Rússia ou por provocação com origem na Polónia ou nos países bálticos, como pretexto para a intervenção da NATO, ou a Geórgia aproveitar a situação para abrir uma nova frente de guerra contra a Rússia, a sorte da Federação Russa estará ditada. Se assim for, o futuro próximo poderá trazer muitas surpresas, certamente nenhuma boa para o mundo como o conhecemos até aqui. Mas a vitória esmagadora do agressor também não prenuncia nada de bom. A diplomacia, mesmo como mediadora, procurando obter uma saída airosa para ambas as partes envolvidas, é por isso uma necessidade, uma urgente necessidade.


ADENDA III (2022.04.05)

Um leitor, anónimo, perante a impossibilidade de comentar, enviou-me um e-mail insinuando o meu alinhamento com a Federação Russa e mimoseando-me com insultos vários, elucidativos da histeria que por aí vai contra quem não alinha com as posições do imperialismo norte-americano.

Ressalta deste e de outros textos, que não sou um alinhado com as posições defendidas pela Federação Russa para a invasão da Ucrânia. Mais, ao contrário de alguns, nem defendo que a guerra de agressão fosse a sua resposta inevitável à crescente ameaça da NATO à sua segurança, mas apenas uma perigosa opção.

Constato que nenhum dos que se perfilam a apoiar um ou outro dos contendores, EUA e Federação Russa, denunciou a função ignóbil desempenhada pelo comediante Presidente da Ucrânia ao aceitar envolver o seu país numa guerra que extravasa dos seus interesses e ao vender o seu povo como carne para canhão ao serviço dos interesses dos EUA, que me parece clara e merece o meu veemente repúdio.

Admiro o cinismo dos falcões defensores da NATO e da política agressiva dos EUA perante o que se sabe serem as suas pretensões geo-estratégicas e a sua continuada política de agressão, ampliada pelo menos desde a administração Clinton, e constato a ignorância, ou a estupidez, dos que os secundam sem pensarem.

Assusta-me o beco sem saída para que o imperialismo norte-americano, através da sua marioneta ucraniana, está conduzindo a Federação Russa. Será que para o senil Presidente dos EUA, à semelhança do que para o novo pequeno Czar da Rússia, esta é também a cartada da curta vida que o espera?

Não deixo de ficar surpreendido com o sucesso da extensa e profunda campanha de manipulação das opiniões públicas por todo o mundo, numa amostra com paralelo anterior apenas restrito à opinião pública alemã durante o nazismo, e prenúncio do que a perfídia, com recurso à psicologia de massas e às sofisticadas tecnologias de comunicação, é capaz.


NOTA: O texto dste post foi reeditado em 2022.02.28, em 2022.03.14 e em 2022.03.29.


sábado, 5 de fevereiro de 2022

O oportunismo ao rubro de verde vestido (XII). Eleições parlamentares 2022: nova corrida, outra banhada ainda maior. Ora digam lá que o papel de muleta da corja não dá um resultadão?