sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Venezuela: de tão maduro, o "socialismo do séc. XXI" está a cair de pôdre


Há uns anos escrevi aqui:

"Nos tempos conturbados de um Mundo em rápida transformação, afastando-se irremediavelmente dos ténues faróis que restavam como últimos portos de abrigo da fé, os inconformados fiéis esforçam-se a descortinar novas estrelas emergindo da negrura das trevas em que haviam mergulhado. Os focos para onde orientam agora a atenção não têm o esplendor luminoso da revolução proletária nem tampouco o surpreendente brilho de esperança com que as revoluções camponesas foram colmatando os demorados interregnos; reduzem-se ao estrepitoso estrelejar de foguetório colorido lançado por caudilhos populistas latino-americanos escudados no apoio popular que lhes foi concedido em eleições como capital de esperança pela massa de deserdados daquelas sociedades, com cujas proclamações voluntariosas substituem a acção aguerrida e organizada das massas operárias e camponesas guiadas pelas suas vanguardas revolucionárias. Estas originalidades constituem uma aparente inovação, já que desde sempre os comunistas se entusiasmaram com todas as manifestações anti-imperialistas e experiências de governos progressistas, e a própria revolução de Outubro ficou constituindo um desvio em relação à ortodoxia. Para alcançarem o poder valem todos os meios, por mais heterodoxos; posteriormente se encarregarão das legitimações teóricas, de que o leninismo é o exemplo mais claro.

Os objectivos, nesta fase renovada da esperança, mais modestos, restringem-se por ora a mudanças políticas de cunho sadiamente nacionalista, visando a apropriação autóctone das riquezas naturais, e apoiam-se na redistribuição do aumento das receitas proporcionado por uma conjuntura favorável dos preços das mercadorias energéticas. As revoluções, dantes proletárias e camponesas, são agora designadas com alguma singularidade por “revoluções bolivarianas”; a insurreição violenta é também substituída pela vitória em disputas eleitorais democráticas. Pomposamente, embora sejam regimes baseados em mandatos eleitorais que periodicamente terão de ser renovados por sufrágio de escrutínio maioritário (se continuarem a adoptar as regras da democracia representativa e pluripartidária), anunciam-se como portadoras do “socialismo do séc. XXI”. Desconhecem-se os programas destes simulacros de revoluções, ainda à procura da definição de um modelo coerente, mas é conhecida a admiração dos seus mentores pelo socialismo caudilhista cubano. Para além do reforço dos aparelhos estatais e da crença ingénua no sucesso que terão como motores do desenvolvimento, fica por saber-se como será implantado o “socialismo do séc. XXI” ao ritmo dos curtos ciclos eleitorais e à mercê da inevitável imprevisibilidade dos seus resultados.

Aos comunistas, na sua euforia momentânea, este eclectismo e a incerteza resultante pouco importam, porque em tempos de crise e de escassez tudo o que vier à rede é peixe. Enquanto durarem — e durarão enquanto o aumento da receita com a alta dos preços dos combustíveis se mantiver e permitir alguma redistribuição que atenue as gritantes desigualdades ou enquanto o vizinho norte-americano não voltar a encarar a América Latina como seu quintal, onde punha e dispunha a seu belo prazer — estes fogachos, simulacros do radioso socialismo de antanho, servirão para ir mantendo acesa a chama da fé dos crentes no futuro que tarda por acontecer. Depois, quando se esgotarem os fundos suplementares oriundos do petróleo ou do gás, que constituem a fonte da redistribuição em curso, e a dura realidade de economias em vias de desenvolvimento voltar a manifestar-se com a sua habitual crueza, obrigando a políticas mais realistas, os comunistas poderão afastar-se destes aliados, culpando-os e às suas políticas pouco audazes pelos previsíveis fracassos. Os inconscientes caudilhos serão então abandonados à sua sorte, porque já terão cumprido uma inestimável função propagandística".


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Agora, que a "revolução bolivariana" e o seu regime de "socialismo do séc. XXI", de tão maduros, estão a cair de pôdres, adivinhem quem é o culpado. Ora, quem haveria de ser se não o suspeito do costume, o imperialismo norte-americano? Nem mais! Hipócritas, os comunistas calam a longa e profunda degradação da situação económica e as recorrentes crises políticas; consolam-se com a denúncia, apesar de tudo necessária, da inegável ingerência estrangeira no fomento e no apoio à farsa de revolta política em curso. Mantêm-se na propaganda, na espuma das ondas, não conseguem chegar à profundeza da tormenta e à analise da realidade. Mais uma vez, é pelo sonho que vão... Enganam-se a eles próprios e às massas. Será essa a função que se atribuem?