sábado, 12 de outubro de 2019

PCP: uma direcção "reformista de direita"


A nova correlação de forças saída das eleições reforçou o PS, que subiu a partido mais votado e representado (até agora, quando faltam distribuir os votos da diáspora e atribuir os correspondentes 4 mandatos, com mais 118 000 votos e eleição de 106 deputados), e penalizou os partidos que o apoiaram na anterior legislatura, que desceram na votação: o BE, perdendo mais de 58 000 votos, ainda conseguiu manter a mesma representação parlamentar (19 deputados), mas o PCP, que perdeu cerca de 114 000 votos, teve a sua representação substancialmente reduzida (descendo de 17 para 12 deputados). O PCP minimizou a sua expressiva derrota com argumentos contraditórios, no que teve a ajuda do PS, carente do seu apoio com ou sem nova “geringonça”.

O grande beneficiado eleitoral do acordo que conduziu à “geringonça” acabou por ser o PS, como, de resto, era de esperar. O BE e o PCP não só apoiaram a política do PS durante a legislatura aprovando os quatro Orçamentos e outra legislação, e o PCP mantendo calmos os sindicatos que controla, como, durante a campanha eleitoral, para valorizarem a sua participação no acordo (integralmente cumprido pelo PS, segundo disseram) e para enaltecerem o que por sua acção teria sido conseguido para os trabalhadores e o povo acabaram a defender o Governo dos ataques do PPD e do CDS. Deste modo, nas eleições, o PS teve o apoio directo dos seus anteriores parceiros e então concorrentes, acabando por sair beneficiado e aqueles por saírem penalizados. Como os votos ganhos pelo PS, que certamente incluíram alguns conquistados à sua direita, foram menos do que os perdidos por aqueles partidos é bem provável que a penalização dos parceiros se tenha ficado a dever, em parte, também ao descontentamento manifestado por abstenção ou por coisa pior.

Pelo que se foi sabendo durante a campanha eleitoral, o PCP estará disposto a contribuir para a estabilidade política na nova legislatura, viabilizando a formação de um Governo do PS, mas, desta vez, sem comprometer-se com um acordo de papel passado. A assinatura de uma “posição conjunta”, que na legislatura que termina funcionou como garantia do cumprimento do que fora acordado, que no entender do PCP, apesar de insuficiente, contribuiu para a defesa e a reposição de direitos e para a melhoria de rendimentos dos trabalhadores, não será agora desejável. Não tendo ocorrido o seu almejado reforço eleitoral, a recusa do PCP em firmar um acordo com o PS parece um pouco incompreensível. Ou bem que a “posição conjunta” foi uma decisão política acertada e de resultados proveitosos (mesmo que limitados) e mereceria ser continuada, ou não foi. Afinal, ainda que não expressamente reconhecido, não terá sido uma coisa nem outra. E não pelo papel passado imposto, mas pelo que foi acordado e lá constava (por vago e difuso, por mútua conveniência) e sobretudo pelo que ficou de fora.

A mudança de posição do PCP deve-se às críticas internas à “posição conjunta” assinada com o PS mais do que aos fracos resultados eleitorais obtidos. Aliás, encontrando-se numa posição enfraquecida na nova correlação de forças saída das eleições, o desejável seria a procura de um novo acordo, caso o PS estivesse disponível para o efeito e aceitasse algumas das reivindicações formuladas ou se aproximasse substancialmente delas. Na actual situação, porém, sendo o partido mais representado, ainda que sem dispor de maioria absoluta, para formar governo não só o PS não necessita de um acordo como este não teria grande possibilidade de ocorrer, tendo em conta as reivindicações um pouco mais consentâneas com a defesa dos interesses dos trabalhadores formuladas pelo PCP para a legislatura e com as quais pretendia arrepiar caminho em relação às cedências feitas com a "posição conjunta". Mas o PS sabe que um acordo à sua esquerda é factor de estabilidade governativa, para que à primeira dificuldade séria não tenha de recorrer a apoio à direita, e pelo menos parte dele desejará uma nova “geringonça”, ainda que mais favorável para si, tendo em vista a nova correlação de forças.

É sabido que algumas das reivindicações do PCP não passam de propaganda, destinadas a serem rapidamente abandonadas (o aumento imediato dos salários de 90 euros/mês para todos e o aumento do salário mínimo para os 850 euros durante a legislatura), enquanto outras são meras lembranças a serem defendidas sem grande convicção (como a reposição da taxa reduzida do IVA sobre a electricidade e o gás), e outras antes defendidas foram convenientemente esquecidas (como a reposição da contribuição para a ADSE e dos escalões do IRS, a revogação da legislação laboral mais gravosa e da lei das rendas e a urgente necessidade de aumento da habitação social autárquica), mas poderiam constituir bases para negociação. Se não fosse obtido um acordo esse ónus recairia sobre o PS, que deseja um qualquer acordo com o PCP, formal ou informal, que lhe garanta a paz social, fazendo pequenas cedências. Veremos se e com quais o conseguirá.

Mesmo sem acordo firmado, o PCP disponibilizou-se para a análise conjunta dos Orçamentos do Estado e de outras medidas legislativas do Governo (o que é já meio caminho andado para acordos informais, tácitos ou expressos, visto que para o PCP a palavra basta!), reiterando que aprovará tudo o que for favorável aos interesses dos trabalhadores e se oporá a tudo o que lhes for desfavorável. No fundo, mantém a disponibilidade para contribuir para a estabilidade governativa, agora sem a garantia prévia de qualquer cedência por parte do PS. Por um lado, o PCP continuará dependente das opções do PS; por outro lado, ficará liberto para usar a luta de massas para obter qualquer das suas reivindicações, o que a ocorrer tornará mais claro que ficaram a dever-se à sua acção. Ao mesmo tempo resolve a causa de algumas das críticas internas (que se fixaram na crítica do acordo e não na do seu conteúdo). Teremos de esperar para ver o desfecho de tanta ambiguidade.

Ao contrário do que dizem os críticos, a questão central não é o PCP não ser um partido revolucionário (que nunca foi), mas desde sempre o seu reformismo (representado pelo “etapismo”) não ultrapassar o social-democratismo e, actualmente, ter descido ao “reformismo de direita”, claramente ao serviço dos pequenos e médios capitalistas da “economia nacional” e na retórica contra os grandes capitalistas e os monopolistas vendidos ao imperialismo, à custa de umas quantas migalhas para os trabalhadores. O horror do Arménio da CGTP à “bomba atómica” que constituiriam as greves por mais de dois ou três dias ou sem prazo marcado é apenas o exemplo caricato mais recente do sindicalismo de frete ao capital da central sindical controlada pelo PCP. Com paus-mandados reformistas deste calibre à frente da CGTP não é de esperar coisa diferente do habitual “mais do mesmo”.

A recusa da formalização de um novo acordo com o PS constitui, aparentemente, um retorno às posições tradicionais do PCP. Resta saber qual a “luta de massas” que este partido estará disposto a desenvolver e para que reivindicações a orientará. Sobejamente confirmado o “reformismo de direita” que caracteriza o “desvio de direita” que afecta a direcção do PCP, veremos se esta fase da “luta de massas” não se resumirá à lamúria da insuficiência das medidas do Governo e às habituais “grandes jornadas de luta” das passeatas ao sábado à tarde e às greves folclóricas de um dia à sexta-feira do sindicalismo de frete, “responsável” e “a bem da economia nacional”. É desejável que tal não ocorra, para que a lista das “grandes conquistas e avanços” da legislatura não fique a resumir-se aos subsídios para as creches para todos até aos 3 anos.


terça-feira, 8 de outubro de 2019

O oportunismo ao rubro de verde vestido (V). Parlamentares: outra corrida, nova banhada. Além da ingratidão popular, o mal foi dos papéis assinados, tudo cumprido, e da muita coisa boa que lá constava e foi conseguida… Não se preocupem com tanta perspicácia e lucidez, não…